O que aconteceu na Audio Club, em São Paulo, na noite de 16 de março de 2023 foi inexplicável. Quer dizer, dá pra tentar explicar, mas só quem foi viu, ouviu, entendeu e aprovou a apresentação solo da banda escocesa Chvrches, que não deixou nenhuma dúvida sobre a qualidade do grupo ao vivo.
A tour do quarto e mais recente álbum da banda, “SCREEN VIOLENCE” (2021), iniciou-se na sexta-feira (10/03), como um dos shows de abertura da turnê Music of the Spheres, do Coldplay, mas entre um show e outro, a banda teve um espaço na agenda para realizar, finalmente, a estreia de uma apresentação solo completa, como o álbum merece.
Com a casa lotada, nem a ótima companhia sonora que o DJ alimentava na pista inferior foi capaz de diminuir a ansiedade.
“Somebodys Watching Me” do Rockwell, “Edge of Seventeen” da Stevie Nicks, “Highway To Hell” do ACDC e “Eyes Without a Face” do Billy Idol. De alguma forma, não pareciam ser por acaso a escolha das músicas, pois caíram muito bem como “esquenta” do show de um álbum que fala do quanto a vocalista Lauren Mayberry sofreu de ataques online nos últimos anos, seja por sua voz, estilo da banda ou mesmo o seu corpo (considerado pelos haters, magro demais para os padrões), daí o título do álbum,”Violência da Tela”.
Com um leve atraso de poucos minutos, logo Freddy Krueger se fez presente (uma referência até para a capa do album). A trilha sonora original de Charles Bernstein, do filme “A Hora do Pesadelo”(1984) sobe e é tocada inteira, enquanto no telão vemos um glitch de TV digno dos anos 80, como se estivesse a ponto de sintonizar ao que veríamos a seguir.
Então, o show começou às 21h35, e a banda, que entrou antes mesmo de “A Hora do Pesadelo” acabar, foi ovacionada pelo público, mas quando Lauren entrou, a felicidade foi maior ainda, genuína e barulhenta, tanto pelo público, quanto pela jovem vocalista.
Como tem sido padrão nessa turnê, “He Said She Said” abriu a noite e o coro se fez ecoar por toda a casa, fazendo já nas primeiras frases com que Lauren apontasse o microfone para o público e sentisse o quão forte aquele coro gritado representa para a maioria ali. A música tem sido um hino pessoal e de alguma forma, conforto para muitos dos fãs, por retratar, de forma explícita e direta, algumas das frases que Lauren e muitos dos fãs, já ouviram ao sofrer bullying cibernético.
A escolha acertada de abrir o show com uma música de cada um dos quatro álbuns empolgou e a própria banda parecia surpresa a cada introdução sendo comemorada como um “gol” e ainda mais pela união de vozes, muitas vezes se sobrepondo à voz de Lauren, que aliás, não fica devendo em nada ao que se ouve no álbum e, arrisco dizer que muitas das versões ao vivo soam ainda melhor no palco do que gravadas.
Entre trocas de roupas, rodopios, pulos e dancinhas da cantora, que tem uma ótima presença de palco, uma performance simulando sangue em seu corpo faz lembrar que a temática da tour é, em parte, o linxamento digital por parte de pessoas desconhecidas e até por famosos da cena hardcore e metal, como Jamey Jasta do Hatebreed e Robb Flynn do Machine Head, que já se mostraram avessos ao som da banda só por estarem em festivais que supostamente deveriam ter apenas os “metalheads”.
A sequência foi matadora: “Forever”, “Leave a Trace” , “Bury It”. Essa última do “EVERY OPEN EYE”(2015), que, no álbum conta com a participação de Hayley Williams, do Paramore, mas infelizmente não teve o feat. ao vivo, já que Hayley não se encontra mais na América do Sul, mas o público fez a sua parte e preencheu em uníssono a Audio Club.
Outra participação a ser lembrada foi a de Robert Smith, do The Cure, em “How Not to Drown”, um dos singles do último álbum, mas que no show nem no telão foi mostrado, porém, teria sido um bom impacto nos poucos ali que mal conheciam a banda, mas, arrisco dizer que, provavelmente o único ali que não conhecia Lauren Mayberry, Martin Doherty e Iain Cook, era um dos seguranças com quem falei por cerca de uma hora enquanto a banda ainda se preparava para entrar. A banda ainda adiciona aos shows o baterista e percussionista Jonny Scott.
A parte visual é um show à parte. Cada música tem a sua projeção e iluminação personalizada.
Em certo momento, Lauren pediu desculpas por não falar português, e em outro momento ela diz que suas músicas são tristes, mas que pelo menos teria um som de piano legal na próxima (“How Not to Drown”).
Antes de tocar “Over” (2023), a música nova, Lauren pediu para que perdoassem caso a banda errasse, mas quem viu a forma como o hit foi comemorado e cantado, diria que a faixa há muito faz parte da carreira da banda.
Tudo soava como um hit instantâneo, “GOOD GIRLS”, “MIRACLE”, “DEATH STRANDING” (do EP “In Search of Dakness” de 2021) e “FINAL GIRL”, frase que estampava a camiseta da cantora em boa parte do show.
Com “RECOVER” e “NEVER SAY DIE” a banda deixou o palco e ouviu vir lá de trás o canto de “OLÊ, OLÊ, OLÊ, OLÊÊÊ, CHVRCHES, CHVRCHES” e retornaram ao palco em poucos minutos para o final apoteótico e padrão dessa turnê, que costuma ser fechada com a mesma sequência, e ao final uma bandeira do Brasil (com recados e autografada por fãs) surgiu e Lauren a estendeu enquanto agradecia o público com certa emoção.
E se cada música era um gol, o “sete a um” veio com “ASKING FOR A FRIEND”, “THE MOTHER WE SHARE”, “CLEAREST BLUE”, sequência final.
A banda deixou o palco sem mais palavras e a certeza de que o show acabou mesmo é “BAD MOON RISING”, da banda Credence Clearwater Revival, tocada pelo DJ como encerramento padrão ao final dos shows da Chvrches.
Se ao ser anunciada como abertura dos shows do Coldplay, havia dúvidas se o público aceitaria e abraçaria o som da banda, ali, ao final do showm não houve dúvidas. Quem já gostava, pôs a banda num pedestal merecido e quem conheceu ali, não vai esquecer nunca mais.
As 20 músicas do show fazem com que o show de São Paulo seja o maior setlist já tocado pela banda. Quem disser que a banda não estava à vontade e sentindo-se abraçados pelos fãs, é certamente um dos haters abordados nas letras.
E a quem se perguntou sobre o motivo do Coldplay ter convidado a Chvrches para abrir uma sequência tão grande de shows, a resposta veio na noite de quinta-feira (16/03/2023), e quando voltarem vai ser com a certeza do quanto os fãs da banda são receptivos e barulhentos.
Setlist – Chvrches em São Paulo
1. He Said She Said
2. Forever
3. Leave a Trace
4. Bury It
5. California
6. How Not to Drown
7. Violent Delights
8. Tether
9. Science/Visions
10. Good Girls
11. Over
12. Miracle
13. Death Stranding
14. Night Sky
15. Final Girl
16. Recover
17. Never Say Die
BIS
18. Asking for a Friend
19. The Mother We Share
20. Clearest Blue