É recorrente a lista de polêmicas envolvendo o Oscar: queda de audiência, vencedores anunciados erroneamente e até mesmo agressões ao vivo, como o episódio envolvendo Will Smith e Chris Rock na cerimônia de 2022, que resultou no banimento de Will Smith em cerimônias do Oscar por 10 anos.
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela premiação, busca todos os anos retomar a relevância da premiação para as audiências gerais, através de mudanças no formato, na duração do evento e até mesmo cogitando novas categorias de premiação.
Mas o que a Academia parece não perceber é que a raiz dos problemas com a queda de popularidade do Oscar começa em sua etapa mais crucial: as indicações às categorias da premiação.
Cinema não é só Hollywood
Nós vivemos em uma era em que o acesso à cultura se simplificou e relativizou fronteiras que antes pareciam intransponíveis. Durante toda sua história, a Academia vendeu o Oscar como uma celebração que premia as melhores produções cinematográficas do ano.
Com as atuais dinâmicas de consumo de conteúdo via streaming, não é mais tão plausível a ideia de que os melhores filmes do ano estejam concentrados apenas nos Estados Unidos.
É nisso que o Oscar 2023 erra mais uma vez: por mais que filmes internacionais, como o alemão Nada de Novo no Front marquem presença na lista de indicados, é latente a sensação de que a Academia mais uma vez escolheu apenas algumas produções para representar todo o resto do mundo, em meio aos inúmeros indicados produzidos nos EUA.
A própria existência de uma categoria de “Melhor Filme Internacional” já é prova disso: relegar grandes produções do cinema mundial a um prêmio de consolação é uma medida insuficiente.
Grandes produções, como o indiano RRR, muito discutido durante a temporada, e o brasileiro Marte Um sequer ganharam o direito de figurar nesta categoria. Por outro lado, o excelente Argentina, 1985, filme que apresenta potencial para concorrer a diversos prêmios, fica confinado à disputa de Melhor Filme Internacional, precisando dividir espaço com os poucos sortudos a conseguir uma vaga nesta categoria.
Blockbusters são a resposta?
Outro assunto que volta todos os anos após a rodada de indicações ao Oscar é a presença de filmes blockbuster – produções milionárias realizadas por grandes estúdios – na disputa do Oscar.
A Academia parece achar que essa é a chave para retomar a relevância do evento na grande mídia. Entretanto, a presença de obras como Top Gun: Maverick concorrendo a Melhor Filme é bastante questionável até para aqueles que apreciam as grandes produções de Hollywood. O longa, afinal, tem suas qualidades, mas a maioria delas se limita ao campo do espetáculo, com efeitos visuais elaborados e cenas feitas para encher os olhos do público.
Avatar, outro longa forte em efeitos visuais, também garantiu seu lugar na categoria de melhor filme, deixando obras impactantes e que povoaram as discussões sobre cinema no último ano, como Aftersun, de fora da disputa.
Onde mora o equilíbrio?
A impressão que fica ao acompanhar os indicados às principais categorias do Oscar é que a Academia, ao tentar buscar um meio termo entre o popular e o cult, acaba desagradando os dois lados.
As indicações de blockbusters soam forçadas e não atraem o público geral à premiação, e a falta de filmes relevantes, porém menos comentados na mídia não especializada, incomoda aqueles que acompanham o mundo do cinema ativamente.
A Academia precisa retomar seu prestígio como instituição definidora das conversas sobre cinema, cativando todos os públicos sem que pareça refém de nenhum deles.
O favorito a grande campeão do Oscar 2023, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, parece confirmar todas essas impressões: os maiores trunfos do longa vêm da união de elementos pop, como o já um tanto desgastado conceito de multiverso, com um roteiro sensível, complexo e que não se furta de grandes reflexões.
O filme escrito e dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert evoca o sentimento de frescor por se tratar de uma produção feita com recursos limitados, mas que se esforça para alcançar a excelência a partir dos artifícios que tem disponível. E por mais que seja uma produção estadunidense, o filme traz visibilidade à cultura de imigrantes chineses e respeita aspectos comportamentais e de linguagem, buscando superar o temor que o público norte-americano nutre por filmes e séries faladas em outro idioma que não o inglês.
A valorização do cinema mundial é um caminho inevitável em tempos em que produções asiáticas e latino-americanas se transformam em fenômenos mundiais através de serviços de streaming como a Netflix.
É como previu Bong Joon-Ho ao ganhar o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro com Parasita, em 2020: “Quando vocês ultrapassarem a barreira de alguns centímetros das legendas, serão apresentados a diversos filmes incríveis”.
O mundo todo parece ter entendido essa mensagem, agora é a vez de Hollywood.