
gabre (reprodução Instagram)
gabre já apareceu aqui no Musicult quando lançou o EP “provisões de emergência” no final de 2024. Agora, o músico radicado em Portugal, está em turnê pelo Brasil, sua terra natal, após o lançamento de “Arquipélago de ilhas surdas”, seu terceiro disco, cuja produção musical é assinada por ele mesmo.

A partir de um dream pop com ares psicodélicos, decorado por elementos do indie rock e da música eletrônica, gabre aposta mais uma vez na experimentação como principal fio condutor de um disco.
Desde 16 de maio, dia do lançamento, gabre passou pelas cidades de Passo Fundo, Porto Alegre, Novo Hamburgo, Florianópolis e Curitiba. Hoje, dia 5, e amanhã, dia 6, a turnê passa por São Paulo e Rio de Janeiro (ingressos disponíveis aqui). Todos os shows são ao lado de Irmão Victor.

E entre uma viagem e outra, gabre parou para responder nossas perguntas sobre as letras de arquipélago, seu processo criativo e a turnê. Confira.
gabre, eu conheci seu trabalho pelo último EP, “provisões de emergência” e os seus releases eram muito criativos. Quando fui ouvir, achei seu trabalho mais criativo ainda. Você disse que o cotidiano te inspira muito nas letras e isso é perceptível, mas de onde você tira inspirações para as capas e títulos dos seus trabalhos, além, é claro, para a forma de divulgá-lo?
Tudo que eu faço vem da forma como eu vejo as coisas, e eu nunca tentei mudar isso, é uma constante absorção do cotidiano que faz com que pequenos mundos se criem e eu possa canalizá-los para mim. Não escuto muita música (já escutei muito mais) e só tenho lido crônicas de futebol e escutado podcasts de política ou grammar. Eu fico muito confuso com o meu processo, então não tento compreender.
E quanto à sonoridade das suas músicas, especialmente em Arquipélago, você parece unir diferentes influências. Quais artistas mais te inspiram desde o começo e quais sons você ouviu recentemente e que te inspiraram a compor?
Acho que tudo que eu escuto sem querer, no rádio ou na rua, tem um lugar especial na minha cabeça. Eu cresci ouvindo muita coisa diferente e isso fez com que eu nunca ficasse com o pé preso em uma influência específica. Pro “arquipélago” foram coisas mais obscuras, como transmissões de rádio do leste da Ásia e algumas coisas africanas. Acredito que para o processo de criação, tenha sido 100% The Avalanches e Jorge Ben.
Agora, com 3 discos lançados, o que você vê de mais transformador na sua carreira desde o primeiro lançamento até este último?
Os lugares que vi e as pessoas que conheci, as coisas que senti e deixei de sentir; onde eu estou e onde eu consigo me imaginar no futuro. Eu amadureci pra caramba, mas acho que isso faz parte de crescer. Musicalmente, não consigo estar parado no mesmo lugar, fazendo as mesmas músicas com a mesma sonoridade. Mudar de perspectiva me ajuda a manter a vontade de criar.
A presença do português e do inglês nas suas composições é bastante fluida. Como você decide em qual idioma uma canção vai ser finalizada?
Eu não decido nada, quem decide são as músicas. Geralmente, elas partem de sentimentos ultraespecíficos que podem ser externalizados da sua forma, umas em inglês e outras em português. Nunca tento traduzir músicas porque tudo se perde no meio do caminho. Eu só deixo acontecer.

Falando de duas letras do disco, em “lisboa completamente debaixo d’água”, você cita a derrota da seleção brasileira para a Croácia, que aconteceu em 2022, e em “crime e carinho”, você cita o “tigrinho”, tema super atual, então dá pra ver que algumas músicas foram finalizadas agora. Sendo assim, qual faixa foi a mais difícil de finalizar, seja por questões técnicas, emocionais etc.? E, claro, como surgiu essa ideia de falar de “tigrinho” em uma música de amor?
Essa pergunta é ótima porque foi um disco muito denso de fazer. Como as músicas se apresentam para mim, eu preciso estar pronto para recebê-las. “lisboa” veio toda de uma vez, mas eu precisei de 2 anos pra finalizar, por questões técnicas e mais emocionais mesmo, no sentido de que eu precisava entender o que estava acontecendo para poder progredir. Todas as faixas do disco têm isso, a não ser por “crime e carinho” que foi absolutamente direta: passei um tempo refletindo e achando uma certa graça na forma como lidamos com às relações amorosas e profissionais nos dias de hoje, em que tudo se torna raso e dependente da chance e do azar.
Também sobre “lisboa completamente debaixo d’água”, e sobre “quando vejo o meu amor”, são letras sobre uma certa angústia e melancolia, mas há também um certo humor ácido nelas… podia falar mais da letra de ambas? Acha que os nomes citados, como o Terno Rei, podem interpretar a letra de uma forma ruim?
As duas, como todo o disco ou basicamente tudo que eu faço, são observações do cotidiano. Tudo que foi narrado em “lisboa” aconteceu de verdade, e foi um período muito intenso. Intensidade essa que decidi canalizar em música em vez de ficar preso nesses sentimentos sozinhos. O mesmo vale para a “amor”, tudo que eu estava sentindo naquele pedaço de tempo específico está na música exatamente como senti. Não tem muito o que interpretar disso, são constatações minhas que não permitem muitas opiniões, e também não posso pensar no que podem achar ou deixar de achar.
Outra letra que me chamou atenção foi “jesus is not around”… essa letra é uma vivência sua ou é uma reflexão sobre a influência da religião na sociedade? Ou nenhuma das alternativas?
Os dois! “jesus” é um lamento/desabafo sobre relações familiares desfuncionais, algo que também é bem comum hoje em dia. O refrão reflete a forma como podemos nos entregar completamente a forças alheias a nós quando sentimos não ter o controle da situação, algo que parece mais conveniente do que tentar mudar o nosso modo de ser.
Você vive em Portugal, mas agora está em tour pelo Brasil. Alguma possibilidade de um retorno fixo ao país? Mais turnês? Mais shows? Tour por outros países? Quais os planos por agora?
Não pretendo ficar muito tempo no mesmo lugar, a ideia é rodar o mundo levando as faixas para passear. Eu amo o Brasil e nenhum lugar no planeta vai ser tão bom quanto aqui, mas por enquanto ainda não me sinto preparado para voltar, a não ser para tocar.
E quais as melhores lembranças até agora da turnê de Arquipélago pelo Brasil?
Outono em gramado, original gelada, costela às 5 da manhã no gato preto e ver o amor da minha vida.
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