
Emery (Divulgação/Reprodução)
A banda Emery, um dos grandes nomes do emo rock, é um dos headliners do festiva Polifonia Emo Vive, que vai acontecer no mês de junho nas cidades de Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.
O Musicult teve a oportunidade de conversar com o guitarrista da Emery, Devin Shelton, sobre a vinda para o Brasil, setlist para o festival, álbuns favoritos, ligação com a religião, entre outros temas.
Confira a entrevista na íntegra abaixo pra entrar no clima do EMO VIVE!
Emery: entrevista com Devin Shelton
O Emery está vindo para o festival Polifonia Emo Vive, que busca celebrar nomes históricos do emo. Como foi para vocês o auge da cena emo, as memórias que vocês têm desse período, e como vocês se veem nesse momento? Vocês acham que está acontecendo um revival ou a cena sempre foi a mesma?
Nós estávamos bem no começo na cena emo, sabe. É interessante porque teve uma ascensão rápida no começo dos anos 2000 para bandas como o Emery, sabe, Taking Back Sunday, Hawthorne Heights, Our Buddies, Underoath, Anberlin, que estavam surgindo no começo dos anos 2000. Foi como “isso está se tornando um tipo de música muito popular, esse gênero emo”. Então nós pensamos, “uau, isso é legal, somos parte de algo especial aqui”. Depois, cresceu tanto, maior do que qualquer um pensou que seria. E de repente esse novo gênero emo se tornou um gênero real. Nós estávamos no meio disso e foi ótimo. Nós poderíamos fazer uma verdadeira carreira com isso e fazer parte desse movimento incrível.
Eu diria que diminuiu um pouco gradualmente, provavelmente, entre 2010 e 2020, sabe, o emo ainda estava por aí, e as pessoas ainda eram fãs de muitas das bandas e da gente. Mas foi para o “banco de trás”. Porém, desde o pós-COVID há um grande revival do emo. Eu sinto como se a nova geração estivesse tipo “meus pais amam essas bandas, que, na verdade, são bem legais, gosto das músicas deles também”. Os pais, que eram nossos fãs no começo dos anos 2000, estão agora trazendo os filhos pros nossos shows. O emo vai ficar por perto pra sempre agora. Eu acho que realmente concretizou seu lugar na história da música.
Ainda sobre o festival, inicialmente o Emery iria tocar o The Weak’s End na íntegra, mas agora vocês não irão mais focar neste álbum apenas. O que motivou a mudança e o que os fãs podem esperar do setlist?
Nós celebramos o primeiro álbum do Emery, The Weak’s End, ano passado, mas agora estamos indo para o The Question, que esse ano faz 20 anos. Originalmente o festival e outros produtores de shows anunciaram que tocaríamos o The Weak’s End, mas na verdade vamos tocar o The Question, que estamos celebrando agora. Vai ser a maior parte do álbum e algumas das outras músicas que as pessoas amam e conhecem, como Walls e Ponytail Parades.
E sobre isso, sabemos que é difícil escolher uma criação preferida, mas se vocês tivessem que tocar o mesmo álbum por um longo tempo, conseguiriam escolher o favorito de vocês?
Ah, cara, essa é difícil. Eu diria que talvez In Shallow Seas We Sail seria um que talvez tocaríamos, que seria divertido tocar por um período mais longo, ou álbuns incríveis que fizemos mais pra frente na nossa carreira, como Eve ou Rub Some Dirt on It. Esses álbums também são bem divertidos de tocar, então acho que qualquer um desses 3 provavelmente seria incrível.
A gente ama nossos primeiros álbuns e amamos The Question, mas já tocamos essas músicas bem mais que as outras. Como uma banda emo que está aí por mais de 20 anos, sabe, várias vezes você fica preso, tem que tocar certas músicas porque os fãs querem ouví-las, o que é bom e nós adoramos tocar essas músicas, mas você não consegue tocar tanto, da mesma forma, as de outros álbuns. Então, acho que alguns álbums, como In Shallow Seas We Sail, Eve, You Were Never Alone ou Rub Some Dirt on It seriam divertidos de tocar mais.
Falando sobre o selo Bad Christian, que virou um podcast, quero aproveitar e fazer algumas perguntas formuladas por um grande fã de vocês* e que aborda o tema da religiosidade. Além do selo, vocês criaram o podcast. Como chegaram nesta ideia? Existe algo que vocês conseguem dizer ali que a música não permite?
Como você disse, somos considerados uma banda cristã e, você sabe, temos fé na nossa banda e tudo mais, e quando começamos estávamos com A Tooth & Nails, que é uma gravadora de punk cristão, e logo no começo começamos a perceber que os cristãos, especialmente os fãs de música cristã, têm certas expectativas de como você, banda, deve dizer em suas músicas o que você deve dizer no palco, ou certas coisas que você faz ou não faz.
Percebemos isso bem cedo, que só queríamos compor boa música, ser quem somos, amar a Deus, amar a Jesus, mas não ficarmos presos a coisas com as quais não concordamos totalmente. Então, começamos a compor algumas músicas que expressavam como nos sentíamos, como no The Question, a música que se chama Listening to Freddie Mercury, na qual falamos sobre isso.
Não é nosso trabalho fazer as pessoas acreditarem, então meio que entramos nesse mundo e expandimos os limites da crença na música cristã. Tentamos, pelo menos. E isso, lentamente, nos levou ao podcast Bad Christian, que é basicamente conversas no nosso ônibus de turnê, na nossa van, ao longo dos anos. Era tipo, “por que não gravamos essas conversas para que outras pessoas possam concordar ou discordar e/ou aprender com elas?”.
Por fim, Matt, Toby e nosso amigo Joey, com quem fizemos faculdade, deram início ao podcast e começaram a conversar bastante sobre o lado bom e o lado ruim do cristianismo, da igreja e tudo mais. Foi realmente uma extensão do Emery e do que estávamos pensando e tentando fazer, escrever. Aí, o podcast ficou muito popular, muita gente passou a acompanhar e fez bastante sucesso. Foi simplesmente uma extensão de quem éramos, como banda e pessoas.
E virou algo maior, porque havia muita gente por aí que sentia o mesmo: “Sou cristão, mas não concordo com um monte de besteira que as pessoas dizem, fazem ou pensam, esperam de mim”, e virou algo que a gente tentava identificar: o que realmente significa ser cristão? O que significa não se encaixar no que as pessoas esperam que você seja? Então, sim, sempre fez parte de quem a gente é, e isso virou aquele podcast, que ficou muito grande e depois de vários anos, acabou, mas a gente ainda carrega essas ideias e pensamentos nas nossas músicas e em outras coisas também.
E quando a Emery surgiu, como foi navegar entre a cena cristã e a cena alternativa/underground que nem sempre se cruzam bem? E hoje, em uma época de forte polarização, como vocês buscam se posicionar em meio a discussões culturais e políticas?
Nós nos esforçamos ao máximo para sermos quem somos e não nos aprofundamos nisso com ninguém ou com a nossa música. Não estamos tentando dizer algo politicamente, persuadir alguém a acreditar no que acreditamos, nem pressionar as pessoas em uma direção ou outra. Nós apenas queremos compor músicas e expressar como nos sentimos, e isso não significa que ninguém mais tenha que sentir o mesmo ou concordar conosco. Mas, obviamente, quando compomos músicas, você percebe que outras pessoas têm sentimentos semelhantes ou querem só existir e não se preocupar com toda a polarização. Tentamos ser o menos polarizadores possível em todos os sentidos, para que não seja uma questão de direita ou esquerda, bem ou mal; nós apenas pensamos: “Somos apenas o Emery, somos só caras, e estamos aqui para nos divertir e fazer música”. É isso que queremos fazer.
E como eu disse, no começo, muita gente tentou criar uma divisão maior entre música cristã ou bandas cristãs e a cena underground ou coisas não cristãs, mas queríamos atenuar essa linha cinza o máximo possível. Não queríamos estar no “lado cristão”, só queríamos ser uma banda em turnê, fazendo música e coisas assim.
Lembro que fizemos uma turnê anos atrás, em 2004, tocamos com 18 Visions, Remembering Never, Misery Signals, todas bandas de hardcore pesado que não são nada cristãs. Nós éramos os únicos um pouco mais pop e cristãos na turnê. Lembro que o Remembering Never era mais ateísta, e nós pensávamos “Não nos importamos, tanto faz”. E então fizemos shows com eles e eles queriam tanto nos odiar que disseram: “quando soubemos que vocês fariam a turnê, pensamos: ‘esses caras vão ser péssimos, não vamos gostar deles nem um pouco'” e acabamos sendo melhores amigos naquela turnê. Estamos lá apenas para nos divertir, e sempre falamos muito bem do Remembering Never, de como eles eram bons. Não estamos lá para entrar em conflito com as crenças de outras pessoas, estamos lá apenas para sermos pessoas gentis, amar os outros e simplesmente nos divertir. Acho que fizemos um ótimo trabalho nisso.
Pra terminar, a última pergunta enviada pelo fã é sobre o álbum EVE. Há uma mística em torno desse álbum entre os fãs, principalmente pela capa e as letras. Qual foi o objetivo de vocês com esse disco?
Como eu disse, queremos provocar as pessoas a pensar, não necessariamente discordar ou discutir, sabe, não estamos tentando irritar as pessoas, só queremos que elas digam “Ei, talvez isso seja algo em que vocês não pensaram, ou talvez isso seja algo em que estamos pensando agora”. Quando estávamos escrevendo Eve, tínhamos essa ideia da distância que criamos entre nós e, um criador, Deus ou o que for sobrenatural.
É como se nós, como humanos, sempre nos isolássemos de muitas maneiras por causa do egoísmo, do orgulho e dessas coisas. Então tivemos essa ideia, nós nos distanciamos muito de onde começamos ou de onde pretendíamos estar, e pensamos “Cara, o que queremos fazer para a arte e para a capa?”. E encontramos um fotógrafo online, que fazia um tipo de imagem um pouco mais sombria. Era algo que desafiava os limites do artístico, um pouco assustador. E nós realmente gostamos!
Entramos em contato com ele, falamos sobre nossa ideia e deixamos que ele criasse. Algumas semanas depois, ele nos enviou uma foto, que é a foto da capa. E quando eu vi pela primeira vez, pensei “Ok, isso vai ser controverso porque muitos dos nossos fãs são cristãos e muitos dos nossos fãs cresceram nesse tipo de cultura de pureza rigorosa, onde você tem medo de tudo que é sexualizado”. Pensamos juntos e concluímos: “é só um conceito, só uma mulher. Há um conceito e você nem vê nada”. Depois, nos questionamos porque havia fãs chateados com isso e chegamos à conclusão de que são apenas as batalhas internas das pessoas. Eles estão lutando contra seus próprios medos. E todos nós estamos. E isso assusta, mas queríamos incentivar as pessoas a pensar além do pensamento tradicional no nosso mundo.
Muitas pessoas ficaram realmente bravas e chateadas. Algumas nos enviaram e-mails dizendo “Vocês são minha banda favorita e eu não posso mais ouvir suas músicas”, coisas assim. E então nós dissemos “Sentimos muito que vocês se sintam assim”. Mas nós apenas estávamos nos defendendo, sabe, definitivamente foi controverso, mas também é o favorito de muita gente.
E retomando o tema inicial da conversa, há um revival, mas quais bandas mais novas do cenário post-hardcore vocês acham que estão mantendo viva a chama do gênero?
D: Opa, essa é uma boa pergunta! Eu sou meio ruim em acompanhar música nova, nem sempre faço isso. Quer dizer, eu ouço música que meus filhos gostam e algumas coisas no rádio agora. Mas eu diria que há algumas bandas com quem tocamos nos últimos anos que eu realmente gosto. Uma se chama Slow Joy. Eles são meio grunge emo dos anos 90. E uma banda chamada Flake, que é muito legal. Todo mundo adora a banda Sleep Token, eu não conheço muito, mas sei que são meio metal e R&B, uma mistura de dois gêneros diferentes. Não sou bom com indicações, mas essas são algumas bandas ótimas.
*Agradecemos a Rafael Bino, da página Fúria Underground que enviou algumas perguntas para essa entrevista.