O Portal Musicult já teve a oportunidade de assistir ao filme Maria Callas, a aguardada cinebiografia da cantora lírica grega Maria Callas, que estreia hoje nos cinemas brasileiros.
O filme se passa na última semana de vida de Maria Callas (Angelina Jolie), sendo esta a premissa inicial do filme. A primeira cena do longa, ambientado na Paris de 1977, mostra o corpo de Callas sendo removido do seu luxuoso apartamento. Após essse momento, a narrativa retorna à semana anterior e leva o espectador às reflexões da cantora nos seus últimos dias sobre momentos de destaque da sua vida: família, romances, carreira e uma visão de quem realmente foi la diva.
Em paralelo, vemos o cotidiano da cantora, que já não se apresenta mais, ao lado dos seus únicos companheiros: o mordomo Ferruccio (Pierfrancesco Favino) e a governanta Yalkinthi (Alba Rohrwacher).
Maria Callas (2024) é dirigido pelo cineasta chileno Pablo Larraín, também responsável por dirigir as cinebiografias Jackie (2016), drama sobre Jacqueline Kennedy Onassis (Natalie Portman) e Spencer (2021), sobre Diana, Princesa de Gales (Kristen Stewart). O filme, assim como os anteriores citados, aborda a história de uma diva glamorosa e influente do século XX.
Maria Callas é uma figura intrigante com personalidade irreverente, considerada por alguns a maior cantora que já existiu. Além da sua personalidade única, ela conta com inúmeras conquistas; uma infância pobre na Grécia marcada por soldados nazistas; uma carreira estelar de sucesso inimaginável; uma relação íntima com a música; uma vida romântica conturbada e rompantes de emoção. Chama a atenção o fato de que ao longo de do filme, a distinção entre “Maria”, a mulher humana, e “La Callas”, a diva intocável dos palcos, é apontada constantemente.
Talvez exatamente devido à sua história fascinante e personalidade única, o filme deixe um pouco a desejar na forma como retrata “Maria”. A interpretação de Jolie em seu retorno ao cinema é digna de nota, trazendo profundidade, confusão, extravagância, arrogância e melancolia à personagem nas medidas certas, porém sem jamais retirá-la do pedestal. A admiração e reverência dão um tom místico a figura, mas funcionam apenas quando falamos de “la Callas”. Talvez retratar uma Maria mais vulnerável e humanizada, sobretudo nos seus últimos dias de vida, pudesse ter sido uma decisão mais realista, permitindo que o público a conhecesse melhor.
Outro ponto a citar é o seu romance com o bilionário Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer), que por mais importante que seja à narrativa, ocupa tempo que poderia ter sido dispensado a flashbacks de momentos célebres da carreira de Callas, da sua infância ou episódios conflituosos do seu passado. O filme busca justificar parcialmente essa escolha logo no começo da trama, quando Maria conta aos seus companheiros que está sendo visitada pelo fantasma de Onassis durante a noite, dando a entender que ainda pensa frequentemente sobre ele.
Um ponto positivo que merece destaque na narrativa é a forma como o filme retrata a relação da cantora com a música. Maria respira música, e isso é evidenciado a todo mundo momento. Mesmo após constatar que a boa música nasce apenas a partir da dor e do sofrimento, Maria jamais pensa em procurar outra forma de viver: a música faz parte de quem ela é, da sua identidade. O filme aborda de forma impecável a beleza trágica da dualidade entre liberdade e confinamento que a música representa para ela. Esta escolha narrativa está por trás de algumas das cenas mais emocionantes do filme, que comovem o espectador pela sua sinceridade.
Há outras dualidades que também agregam ao filme: realidade x delírio, passado x presente e Maria x La Callas.
Além de Jolie, o elenco do filme, auxiliado por diálogos fluidos, mostra-se excelente. Simpatizamos instantaneamente com as personagens de Pierfrancesco Favino e Alba Rohrwacher, que se mostram preocupados com o estado de saúde físico e mental de Maria ao longo da trama. A escolha de Haluk Bilginer como Onassis também é interessante, e o ator entrega uma interpretação perspicaz.
Assim, falta a essência “Maria” à obra, mas é uma ótima escolha para quem quer conhecer melhor a história pessoal e os dilemas de uma figura tão importante do cenário musical da ópera.