Na última semana, o intenso, vibrante e premiado documentário nacional Salão de Baile: This is Ballroom chegou aos cinemas.
Dirigido pela dupla de cineastas Vitã e Juru, o filme apresenta ao público um “mundo paralelo”, ou seja, uma parte única, do universo da comunidade preta LGBTQIAPN+ do Rio de Janeiro: o resgate e a vivência da cena do ballroom fluminense, influenciada pela cultura ballroom, nascida na década de 1960 em Nova York e adaptada para a realidade de um grupo de jovens do estado do Rio de Janeiro.
Ballroom é o nome dado ao movimento que surge como forma de expressão a partir dos tradicionais bailes de beleza drag queen norte-americanos, dando visibilidade a pessoas gays, trans, latinas e pretas, por meio de batalhas de dança, desfiles e performances. O Ballroom ganhou grande destaque e popularidade nos anos 1990 com a explosão do icônico hit Vogue da cantora Madonna.
O Ballroom mistura elementos da cultura Ballroom original, como a dança “voguing” inspirada nas poses de modelo da revista Vogue; o enfoque na arte e na execução da performances; e princípios, como a criação das “Casas” (Houses), redes de apoio e pertencimento que simulam laços familiares e são lideradas por “mães” que acolhem os seus membros.
Engana-se quem pensa que assistir ao documentário é como assistir a Pose, famosa série televisiva que aborda o tema, dirigida por Ryan Murphy. Salão de Baile: This is Ballroom não investe em uma narrativa romantizada, preferindo mostrar a realidade brasileira do ballroom para além do glamour das maquiagens brilhantes, das roupas neons e do extravagante voguing. O documentário traça uma trajetória do movimento permeada pelos diversos desafios enfrentados pelos participantes dessa realidade em particular, como: preconceito; críticas nas competições; rejeição; adaptação; prostituição; silenciamento. Nem tudo são flores.
O Ballroom abrasileirado, assim como o movimento inicial, também é uma forma de resistência e união para adquirir visibilidade e reconhecimento, com as suas devidas particularidades. A cena fluminense do movimento é rica e ressignificada, englobando membros de diversas regiões do estado, como a litorânea, a serrana e a baixada; ritmos musicais como o funk; e a influência de movimentos como o batekoo.
A trajetória do movimento brasileiro é contada ao longo da 1h e 30 minutos de filme de forma fragmentada, mostrando como, aos poucos, esse se tornou uma referência consolidada. O que começou como uma inspiração a partir de vídeos no YouTube, troca de ideias em comunidades no Orkut e experiências de viagem no exterior, adquiriu uma proporção exponencialmente maior, tornando-se um refúgio acolhedor para uma comunidade.
Para explicar o que é a cultura Ballroom, incluindo sua origem, impacto social e conceitos, o filme utiliza um recurso interessante: as vozes dos próprios diretores e membros inseridos no movimento, como Crystal LaBeija e Wallandra, que assumem esse papel de ensino, reforçando a ideia de que “a sua performance conta a sua história”. Os narradores, artistas da cena contemporânea, alternam entre contar capítulos da sua própria história de forma delicada e cativante, e relembrar o legado de personagens emblemáticas da ballroom americana, trazendo uma nova perspectiva cultural ao tema.
A narrativa adotada é didática e dinâmica, envolvendo e entretendo o espectador, esteja ele familiarizado com a cultura Ballroom ou não. Assim, Salão de Baile: This is Ballroom é um excelente material introdutório para a cena da cultura ballroom no Rio de Janeiro, contando sua origem e características nos mínimos detalhes. É uma verdadeira aula, da melhor forma possível, com direito a imagens e vídeos das competições do Rio de Janeiro que ilustram de forma visual o que é contado em palavras.
Para além de Estados Unidos ou Brasil, o filme tem êxito em retratar a cultura ballroom em escala mundial como uma grande rede de comunicação entre grupos minoritários e marginalizados. O movimento é retratado como um espaço de inclusão, identificação, expressão e fortalecimento que cresce cada vez mais, trazendo à tona temas como pertencimento, diversidade sexual, gênero e direito à cidade.
Uma produção complexa, sensível, envolvente e indispensável para os fãs de música e movimentos musicais, definitivamente vale conferir Salão de Baile: This is Ballroom. Você, assim como eu, talvez saia querendo aprender a dançar o voguing imediatamente.
Confira o trailer abaixo: