Verissimo não é uma figura fácil de se resumir em um documentário. Não que sua vida e obra não sejam férteis, muito pelo contrário: o octogenário escritor brasileiro, um dos mais populares de sua geração, possui talentos e histórias múltiplas, e teria a atenção cativa de qualquer um que leu suas crônicas, seja na infância, na vida adulta, ou até mesmo com o passar das décadas.
Mas ele não parece ser afeito a grandes discursos: o autoproclamado autor mais tímido do Brasil, por onde passa, parece deixar seus interlocutores sedentos por mais uma história, mais uma frase inspiradora ou mais um autógrafo. É justamente nesse ponto que mora o desafio aceito por Angelo Defanti, diretor do documentário que acompanha e celebra a figura de Luis Fernando Verissimo.
O documentário e o triunfo do cotidiano
Verissimo (o documentário) busca uma rota alternativa ao lugar-comum dos filmes do gênero. Em vez de se apoiar em imagens de arquivo, fotos, entrevistas e cabeças falantes tecendo louros sobre seu objeto de análise, simplesmente nos convida a chegar o mais perto possível da figura que, a princípio, pode parecer anticlimática.
O longa começa mostrando de fora a casa em que Luis Fernando (o documentado) vive com sua família, e casualmente, como num convite para o café da tarde, somos levados a entrar e observar o dia a dia. Tal escolha, que poderia resultar em um filme vazio, se mostra acertada a partir dos olhos sensíveis da direção, que sabe muito bem o desafio que tem pela frente.
A dinâmica do filme então, se apresenta ao espectador: faltam 15 dias para o aniversário de 80 anos de Luis Fernando Verissimo, e vamos acompanhá-lo durante as duas semanas que antecedem a comemoração. Seja em sua pacata rotina doméstica, onde passa os dias escrevendo, assistindo televisão e brincando com os netos; ou nas relutantes saídas de casa para aparições públicas e entrevistas, as quais o autor deixa claro que só concede por ser incapaz de dizer não.
A contagem regressiva para o aniversário do autor, apresentada em tela sempre que um novo dia começa, parece representar um clímax para todos ao redor de Verissimo, que pedem entrevistas sobre o tema e preparam uma grande festa. Ao aniversariante, o evento parece corriqueiro: “a gente se distrai e, quando vê, já tá com 80 anos”.
Muito a se dizer, pouco a se falar
A dinâmica familiar dos Verissimo é marcada pela dicotomia entre o silêncio e os diálogos constantes. Presentes no filme o tempo inteiro, a esposa, filhos e netos do autor estão constantemente enchendo o ambiente de conversas, risadas e brincadeiras. A figura principal, talvez devido ao hábito conquistado nas décadas de escrita – prática solitária – parece mais interessada em observar. Luis Fernando é uma figura onipresente, mas raramente interfere na dinâmica dos ambientes que passa.
A falta de interesse em seguir convenções mais óbvias dos documentários biográficos permite ao filme de Defanti que se desenvolva como um slice of life, gênero cinematográfico que se dedica a observar um trecho da vida de seus personagens sem que suas pretensões se tornem mais explícitas do que é mostrado em tela. O convite do filme é muito mais ambicioso do que simplesmente assistir a um perfil elogioso de seu objeto de análise, ou até mesmo de fazer grandes afirmações a seu respeito. Verissimo é um filme que te convida a sentar e aproveitar o que lhe é mostrado, sem a necessidade de alcançar grandes conclusões.
Dessa forma, o longa vai criando uma personalidade que se parece muito com a de seu objeto de estudo: seu trunfo mora nos detalhes. A personalidade marcante da casa dos Verissimo, o relógio de pêndulo que insiste em interromper diálogos e marcar o tempo com suas badaladas, a falta de interesse em se expressar verbalmente, na maioria dos casos. Durante o tempo da projeção, tudo é Verissimo. Para deleite ou desespero do espectador.