Em outras épocas, shows no meio da semana pareciam improváveis não só em São Paulo, mas em qualquer lugar do Brasil. Mas essa realidade vem mudando consideravelmente e em uma quarta-feira, 3 de abril, o trio de Chicago Russian Circles desembarcou em São Paulo para uma apresentação no Cine Joia, abrindo oficialmente a turnê latino-americana da banda.
O show, promovido pela Powerline Music & Books, contou também com a participação dos paulistanos do E a Terra Nunca me Pareceu Tão Distante. Antes de mencionar qualquer coisa, posso dizer que o show dos norte-americanos foi o mais alto que já ouvi até o momento. Se outrora som alto pode sugerir barulho e indefinição, não foi o caso do Russian Circles, que entregou uma apresentação soturna, pesada e tecnicamente incrível, que tive o prazer de cobrir pelo Portal Musicult.
O E a Terra subiu ao palco pontualmente às 20h. O baixista da banda, inclusive, é um nome bastante conhecido na cena underground brasileira: Gabriel Arbex, ex-guitarrista das clássicas Noção de Nada e Zander. Passadas as apresentações, vamos ao show. A apresentação foi iniciada com as músicas “Ausente“, “Bruce Willis” e “Pequenas expectativas, menores decepções“. Sem muitas pausas, exceto para agradecimentos, a banda entregou uma apresentação muito bem ensaiada, técnica e mesclando partes suaves e ápices pesados, barulhentos e, como costumo dizer, viajados. As inúmeras camadas sonoras, produzidas por pedais de delay, feedback, chorus, entre tantos outros, proporcionavam uma verdadeira viagem no som da banda.
“Já não ligo se tudo der errado“, “Medo de tentar” e “Medo de morrer” vieram em seguida, atraindo o público considerável que já ocupava a casa de shows do bairro da Liberdade. No som, podia-se notar influências claras de bandas como Toe e Cigarettes After Sex, um prato cheio para quem gosta de post-rock. Definitivamente, uma escolha muito acertada para abrir o show. “Como aquilo que não se repete“, “Oblívio“, “Infamiliar” e “PMR” encerraram o setlist do E a Terra. A apresentação durou cerca de uma hora e, durante o show, podia-se ouvir os comentários do público, que destacava a técnica do quarteto. Um ponto importante do som, definitivamente, são as partes limpas. Afinal, é a guitarra com som limpo que entrega se um músico realmente toca bem. E nesse caso, tocavam. E muito. Um show incrível, sem sombra de dúvida.
Aumenta o volume: Russian Circles
Pouco depois das 21h, o Russian Circles subiu ao palco. O power trio formado por Mike Sullivan (guitarra), Brian Cook (baixo) e Dave Turncrantz (bateria) começou a apresentação com uma introdução cheia de luzes e barulhos soturnos, que dariam o tom de todo o show. Como a casa estava cheia, mas não com a lotação máxima, era possível transitar por todos os espaços e, em todos eles, o som era perfeitamente audível e definido. Optei por ficar bem em frente ao palco, de cara para o gol.
O show começou com uma pedrada: “Station“, seguida por “Harper Lewis“, “Conduit” e “Afrika“. Sem pausas, todo o show parecia um loop de uma única música. E era incrível. Focada totalmente no som, a banda sequer colocou microfones no palco, dispensando qualquer interação verbal com o público. Um ponto importante e que chamava muita atenção era que cada membro da banda tinha uma particularidade: Sullivan, com sua guitarra pesada e definida, tocava loop em cima de loop, transformando o som em uma grande e infinita camada.
Cook, por sua vez, dava o peso da apresentação com um trovão saindo de cada nota do baixo. E tudo era aumentando em três vezes com a presença de sintetizadores tocados pelo músico, e até um pedal que simulava um órgão de igreja. Por fim, Turncrantz trazia uma bateria pesada, com muitas viradas e um dos melhores sons de prato que já ouvi. Pratos gigantescos, inclusive.
As sombras que se projetavam nas paredes do palco deixavam o clima do show ainda mais pesado e soturno. Logo em seguida, “Quartered“, “Betrayal” e a clássica “Gnosis” complementaram o setlist dos norte-americanos, que com certeza ganharam ainda mais o coração dos fãs brasileiros. Definitivamente, o ponto que mais chamava atenção foi o fato de que a banda, um simples power trio, conseguiu reproduzir fielmente todas as camadas trazidas nos discos. Um trabalho pesado de pedais e muita técnica, que exige muito dos músicos. E a banda, definitivamente, conseguiu esse feito.
“Deficit“, “Youngblood” e “Mlàdek” fecharam o setlist do Russian Circles. Sem dúvida alguma, o power trio de Chicago entregou uma apresentação dinâmica, pesada, sombria e alta…MUITO ALTA. Com uma sonoridade única, a banda mesclou temas com guitarras limpas, pesadas, loops infinitos, solos de bateria e partes com sintetizadores com muita habilidade, técnica e presença de palco. Um som complexo, de fato, difícil de tocar, o que reforçou ainda mais a qualidade da apresentação do Russian Circles, que ficou marcada na mente e coração do público de São Paulo, presenteado com uma forte e pesada massa sonora.