Nicholas Cage é um ator de reputação divisiva: conhecido por ter atuado em mais de 100 filmes, é difícil acompanhar a totalidade da carreira do norte-americano, repleta de altos e baixos. Há alguns anos, porém, o astro vem tentando recuperar a aura de figura respeitável em Hollywood, estrelando filmes elogiados como Mandy (2018), Pig (2021). Some a este cenário a A24, produtora queridinha da atual Hollywood, sempre ligada (até demais) nas tendências de consumo e linguagem da nova cinefilia, e chegamos a O Homem dos Sonhos, filme dirigido por Kristoffer Borgli, cineasta noruguês que tem se destacado recentemente e tem potencial pra se tornar figura constante na cobertura da mídia especializada.
O Homem dos Sonhos, como era de se esperar, é um filme que vem cheio de pretensões: pretende guiar Cage em uma temporada de premiações que pode ser definidora para os próximos anos do ator. Pretende alçar o nome do diretor ao patamar de cineastas cult como Ari Aster, que inclusive assina como produtor do longa. Pretende respirar ares de Charlie Kaufman, renomado roteirista e diretor cuja obra costuma flertar com os sonhos e com o absurdo. Isso, por si só, não seria um problema: a arte é (e deve continuar sendo) pretensiosa. O problema é que o longa passa longe de conseguir atingir suas próprias pretensões.
O Homem dos Sonhos conta a história de Paul Matthews (Nicholas Cage), professor universitário, pai de família e, acima de tudo, um cidadão comum até demais, que não é muito respeitado por sua família e não costuma estar na lembrança dos amigos. Do dia pra noite, entretanto, Paul começa a aparecer nos sonhos de diversas pessoas ao redor do mundo. O misterioso fenômeno alça o homem comum à fama, até que os sonhos envolvendo Paul passam a se tornar pesadelos e, neste momento, sua fama se altera, transformando um anônimo em persona non-grata no mundo inteiro.
A situação criada pelo argumento é de início interessante e curiosa, mas logo se revela bastante pedestre: trata-se de um filme sobre a tão discutida cultura do cancelamento, um tema divisivo, que já foi discutido à exaustão internet afora e que por isso mesmo mereceria um olhar muito mais complexo do que aquele que o longa o dispensa.
O roteiro, ora acelerado demais para fomentar um bom desenvolvimento dos personagens, ora lento o suficiente pra se demorar mais que o necessário em algumas das cenas, parece se preocupar muito mais em tentar agradar o espectador do que de fato desenvolver discussões complexas.
Por mais que tente se estabelecer como um filme profundo, o humor do texto é muito parecido com aquele proposto e utilizado à exaustão pela Marvel Studios: o humor por mera identificação. Pra entender a piada, é necessário conhecer seu alvo e entender o porquê você deve rir dele, algo que dificilmente funcionará pra parcela do público que não está habituada com a cultura norte-americana.
O flerte com a metalinguagem também é raso demais pra convencer: em pleno 2024, todos os tweets e esquetes possíveis sobre a cultura do cancelamento já foram feitos internet afora, o que torna o filme uma dolorosa autoparódia da crítica que almeja tecer. É possível imaginar até mesmo figuras da extrema direita, a quem o longa ensaia criticar, utilizando determinadas cenas a favor de suas próprias narrativas.
É notório o tipo de cinema que a A24 tem buscado construir: filmes visualmente interessantes, com premissas curiosas e que, seja na comédia ou no terror, sempre acabam tratando de indivíduos e seus traumas pessoais. Também é notório o público que a empresa visa formar: jovem, acelerado, ácido e que considera o sarcasmo a figura de linguagem mais refinada já desenvolvida pela humanidade. O problema é que o sarcasmo, quando utilizado em excesso, se torna um recurso cansativo e esvaziador. Retire as gags visuais de que o longa parece se orgulhar bastante e a aura de comédia cult, e o que sobra do filme é pouco. E esse pouco, por si só, já foi repetido mil vezes.
O Homem dos Sonhos estreia no Brasil dia 28 de março: assista aqui ao trailer do filme e leia aqui outras resenhas de filmes no Musicult
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