
Touché Amoré (Créditos: @a_meninadasfotos/Musicult).
Em uma noite de sábado, 10 de maio de 2025, o City Lights, casa já conhecida por abraçar o underground paulistano, foi tomado por algo que transcendeu o conceito de um simples show. O Touché Amoré, banda californiana que há quase duas décadas transforma angústia em arte, subiu ao palco em São Paulo com a missão de entregar intensidade — e entregou muito mais do que isso: trouxe também verdade, suor, lágrimas e conexão humana em sua forma mais crua. A festa, assinada pela NDP (New Direction Productions), contou com a abertura das bandas nacionais Janeiro Industrial e De Carne e Flor, que também entregaram performances cheias de sentimento.
A noite (que foi sold out, diga-se de passagem) começou com o Janeiro Industrial, banda de Sorocaba bastante influenciada pelo que conhecemos como “real emo” ou termo que o valha, lembrando bem bandas como Title Fight e Basement, da qual inclusive tocaram um belo cover, da música “Whole“. Um set curto, de fato, mas poderoso o suficiente para envolver o público que já ocupava o City Lights naquela noite chuvosa de sábado. Uma bela mistura de emo, algo puxado também para o alternativo e um pouco de post-hardcore. Muito bom!





Logo em seguida, foi a vez dos paulistanos do De Carne e Flor ocuparem o palco da casa com uma apresentação caótica, barulhenta e incrivelmente sentimental, o que me lembrou bem os melhores trabalhos do Alexisonfire. Versos caóticos, berrados, se contrastavam com melodias mais suaves e que, em seguida, voltavam a explodir com toda a força. Assim como o Janeiro Industrial, eu não conhecia o De Carne e Flor, e fiquei impactado pelas duas bandas, que têm um potencial enorme com certeza disseram bem a que vieram. Espero poder ver outras apresentações.





Touché Amoré no palco de volta a São Paulo
Às 20h15, quando as luzes baixaram e os primeiros acordes de “Tilde” ecoaram, o público já estava em transe. Era visível no semblante de cada pessoa que não se tratava de um evento casual, mas de um encontro esperado com a dor partilhada. E se há algo que o Touché Amoré sabe fazer como poucos, é transformar o que há de mais íntimo e difícil em catarse coletiva.
Jeremy Bolm, que dias antes havia falado sobre sua empolgação de voltar ao Brasil, é um frontman que não apenas canta — ele desaba. Com olhos cerrados e punhos fechados, ele despejava versos como se estivesse tentando expulsar demônios pela garganta. A cada linha de “New Halloween” ou “Limelight”, parecia haver mais do que voz: havia um passado, uma ferida, um nó que finalmente se desfazia no grito. E o público, num raro tipo de sincronia emocional, respondia com o mesmo fervor. Os sing alongs não vinham apenas nos refrões — vinham em versos inteiros, em gritos sincronizados, em bocas abertas e punhos erguidos como se cada pessoa ali estivesse exorcizando a própria dor.
O setlist navegou com equilíbrio entre faixas dos álbuns mais recentes e hinos consagrados. “Pathfinder” foi um dos pontos altos da noite: o público praticamente engoliu a banda com o volume dos gritos, enquanto os mais ousados se jogavam em stage dives consecutivos, como se não existisse chão, apenas braços prontos para sustentar uns aos outros. Não era bagunça, era rito. Cada pulo, cada salto do palco era uma afirmação coletiva de que ninguém estava sozinho ali.
A sonoridade da banda, ao vivo, é um soco técnico e emocional ao mesmo tempo. A parede sonora que o grupo construiu em faixas como “Flowers and You” (a última da noite) ou “Just Exist” é quase tangível, como se a música tivesse corpo.
A iluminação do City Lights foi econômica, mas eficaz. Nada de grandes efeitos, apenas o suficiente para criar atmosferas — tons frios nas músicas mais introspectivas, vermelhos e estrobos nas mais agressivas. Mas ninguém ali precisava de espetáculo visual. O que importava estava nos rostos suados, nas lágrimas que escorriam discretas e nos abraços entre estranhos, que compartilhavam o mesmo misto de emoção, euforia e identificação com cada linha cantada por Bolm.
Num breve momento de pausa, Jeremy se dirigiu à plateia com humildade, afirmando o quanto era bom se sentir compreendido, mesmo tão longe de casa. Era mais do que gratidão. Era espanto genuíno diante da entrega do público brasileiro, que parece entender, mais do que muitos, a dor como forma de comunhão.
A maior catarse da noite veio com “Honest Sleep”, num momento apoteótico e emocionalmente esgotante. O último verso — “I’m losing sleep, I’m losing friends” — foi cantado tão alto que por um instante parecia que os amplificadores estavam desligados, e que a banda deixava a música nas mãos da plateia.
Sem bis, sem firula. O Touché Amoré saiu como entrou: intenso e honesto. Não houve necessidade de encenação, porque ali tudo era real. Na saída, era possível ver rostos exaustos, olhos marejados e sorrisos discretos — como alguém que tivesse exorcizado todos os seus demônios ali.
Naquela noite no City Lights, não havia plateia e banda. Havia um só corpo. Um só grito. Um só coração partido — batendo forte e junto.





