
Quem chegasse desavisado ao completamente lotado Cine Joia na sexta-feira, dia 7 de março, talvez tivesse dificuldades de adivinhar qual banda estava prestes a subir ao palco da tradicional casa paulistana. Entre as jaquetas de couro, roupas de veludo preto, suspensórios, coturnos, meias arrastão, polos e qualquer outra vestimenta característica de uma cena underground do rock, havia apenas uma coisa em comum: a animação e ansiedade para o início do show do The Damned.
No palco bem equipado, decorado na sua frente com um grande ramo de flores brancas (ora vermelhas, ora azuis, ou um pouco das duas cores, bem saturadas, pela iluminação marcante do palco) que perfumava o ambiente e fazia companhia aos fãs das primeiras filas (que não sairiam de lá por nada), a banda inglesa, quase quinquagenária, que já dividiu palco com The Clash, Sex Pistols, Ramones, Specials, Motörhead e qualquer outro grande nome do punk (e suas adjacências) que você possa imaginar, iniciou sua apresentação um pouco depois das 21h, para a alegria dos mais jovens, ansiosos pelo início do show, e o alívio momentâneo dos fãs mais velhos, que esqueceram as dores nos joelhos pela próxima hora.
Tão diversa quanto a história da banda, a plateia também não decepciona, jovens talvez acompanhando sua mais recente descoberta musical (ou influenciados pelos pais, que em alguns casos estavam também presentes), punks clássicos com suas jaquetas de couro na noite quente de São Paulo, góticos com suas iguais roupas quentes de veludo preto em harmonia com seus olhos pretos riscados e adereços característicos, os civis com a clássica combinação jeans e camiseta de banda, mas também alguns que poderiam até estranhar na primeira impressão, mas tão animados quanto os fãs mais “visíveis”, skinheads com suas polos Fred Perry e suspensórios, rockabillies com seus topetes armados e psychos com a mescla anos 60 e horror punk. Todos ocupando seu lugar na plateia em harmonia para celebrar os 49 anos de banda.

Icônica no punk, tanto musicalmente quanto para sua história além dos palcos, The Damned retornou ao Brasil, após 13 anos, com uma formação (quase) original, contando com três membros clássicos (Dave Vanian com sua gola alta, Captain Sensible com sua boina vermelha clássica e Rat Scabies na bateria), além dos veteranos Paul Gray e Monty Oxymoron. O show iniciou de imediato homenageando seu outro membro original, Brian James, único que não integrou a banda na tour atual e que faleceu no dia anterior ao show. James chegou a participar da tour de reunião em 2022, adiada pela pandemia, mas não prosseguiu em turnê pelos anos seguintes.
Com excelentes músicos e uma discografia diversa, The Damned transita do punk inglês clássico ao gótico, passando por trilhas de terror até o pop dos anos 60, a banda apresentou a maioria de seus principais clássicos em um set de 22 músicas, iniciando com Love Song, transitando entre suas músicas do início de 80 com Dr. Jekyll and Mr. Hyde, Stranger on the Town, e finalizando com seu combo de hits: Neat Neat Neat, New Rose e Smash It Up. Apesar da barreira do idioma, Dave e Captain Sensible estavam confortáveis na interação com a plateia, que iam desde o agradecimento pela presença animada do público, o carinho dos fãs brasileiros pela banda e a dedicatória do show ao amigo falecido na véspera.

Nem tudo foi festa na noite, pelo menos para os fãs que queriam levar uma lembrança oficial da banda. Os preços astronômicos do merch deixaram a aquisição restrita a poucos (e visivelmente mais velhos) fãs dispostos a pagar R$ 200 por uma camiseta ou R$ 70 por um chaveiro. Para infelicidade do público dentro do Cine Joia – e a oposta felicidade dos ambulantes do lado de fora, com seus itens “alternativos”, como copos e camisetas da banda a preços mais “convidativos” para a maioria do público.
Para os fãs que desejavam a verdadeira experiência do The Damned, fora dos horários limitados e cansativos de festivais, e que queriam o protagonismo do dia para os punks ingleses, o show foi memorável, desde a seleção de músicas que tocavam antes do show e que agradaria Lux Interior e seus fãs mais fervorosos, às flores ornamentadas no palco e distribuídas por Dave ao final do show, até a apresentação em si e entrega da banda.
Todos os fãs podem afirmar que viram um show impecável dos punks seniors. The Damned talvez já não estejam no auge do caos e da rebeldia pela qual já foram conhecidos, mas a energia, a entrega e a paixão pela música seguem intactas. E, pelo que vimos, de seus fãs também. Pelo que apresentaram, dá para afirmar que ainda teremos mais alguns anos de muita música (e sombra preta nos olhos) e energia, da banda e com certeza, de seus fãs.
Fotos e Texto por Matheus Paiva.