
Earth Crisis no NDP Fest (Créditos: Raíssa Corrêa/Sonoridade Underground)
Quando a New Direction Productions arma algo, é certeza de momentos memoráveis. E foi assim na primeira edição do NDP Fest, que marca o aniversário de um ano da produtora capitaneada por Bruno “Feijão” Genaro. O festival aconteceu no dia 9 de março no Espaço Usine, em São Paulo, e reuniu nada mais nada menos que sete bandas de peso, com os estadunidenses do Earth Crisis como headliners.
A festa também contou com as bandas Klitoria, Clava, Hardgainer, Black Pantera, Point of No Return e Zulu, esta última envolvida em uma questão polêmica horas antes de se apresentar no palco do Usine. Mas, como eu gosto de dizer…first things first.
O evento começou por volta das 15h20, com o Klitoria, de Niterói, abrindo os trabalhos. Formada por Malu (bateria e vocal), Aline (baixo), Nina (guitarra) e Brayner (guitarra), a banda traz em sua sonoridade algo que transita entre o punk, garage punk, thrash e metalcore, trazendo na sua apresentação uma performance bastante visceral e até experimental, eu diria.
No setlist, o quarteto trouxe músicas como “Flores Podres”, “Não Memória”, “Xapisco” e “Todo homem foi feito pra dar”, tudo sem muitos intervalos, mandando bronca como tem que ser. Bem punk rock, cru e pesado, já dando o clima de como seria o dia.
Depois, foi a vez da Hardgainer subir ao palco, trazendo um som mais próximo do metalcore. Bastante pesado, com breakdowns e um vocal gutural poderoso. Com a maioria das músicas em inglês, a banda trouxe um setlist curto, com sete canções, mas todas com muito peso e muito bem executadas. Entre as músicas apresentadas, estavam “Invisible Walls”, “Idols Fall” e “Queda”. Uma apresentação forte, concisa e bem interessante.
Em seguida, foi a fez da Clava subir ao palco. Banda straight edge do Rio de Janeiro, já é conhecida pela cena de São Paulo e tem uma sonoridade caracterizada pelo hardcore dos anos 90, combinando riffs intensos com letras politizadas que tratam de questões sociais, como brutalidade policial, corrupção governamental e desigualdade social. O show marcou os primeiros moshes da tarde e o discurso do vocalista Alex sempre trazia à tona a participação de pessoas negras no meio hardcore/metal, evidenciando a importância do protagonismo.

No setlist, músicas como “Amaterasu”, “Sudaméfrica” e “Quando a vontade de romper é mais forte” marcaram a apresentação da banda, que também rendeu uma homenagem ao Confronto, um dos principais expoentes do hardcore straight edge carioca.

O protagonismo do Black Pantera
Depois do Clava, foi a vez do power trio mineiro Black Pantera subir ao palco. E, se a banda anterior falava da importância do protagonismo preto no underground, o Black Pantera é a exata personificação desse conceito, com os três integrantes negros, trazendo consigo a bandeira do protagonismo racial.

O trio é composto por Charles Gama (guitarra e vocal), Chaene da Gama (baixo e vocal) e Rodrigo “Pancho” Augusto (bateria). A banda aborda temas como racismo, desigualdade social e resistência, trazendo uma sonoridade pesada e agressiva que mistura influências do hardcore, thrash metal e punk rock. O nome Black Pantera é uma referência ao movimento revolucionário dos Panteras Negras, reforçando a identidade e o posicionamento do grupo.
Um dos pontos altos do show foi quando Chaene executou a música “Tradução”, relembrando a história dele e do irmão Charles com a mãe, Dona Guiomar. Uma canção emocionante, que mostra a luta de uma mulher negra e periférica para cuidar e criar os filhos. Uma verdadeira ode à luta da mulher na difícil tarefa da criação. Além disso, canções como “Fogo nos racistas” e “Revolução é o caos” deram o tom da apresentação, marcada também por muitas mensagens antifascistas e antirracistas no telão do evento. Um show incrível, pesado e bem como o punk rock tem que ser: político, direto e antifa.

Point of No Return relembra tempos de Verdurada
O show do Point of No Return foi um capítulo à parte do NDP Fest. Após um longo hiato, a banda retornou e, no show de domingo, relembrou as icônicas Verduradas, eventos que exaltavam a cultura vegan straight edge para o punk paulistano. Quando o sexteto (isso mesmo, um sexteto, com três vocalistas) iniciou os primeiros acordes de “Sparks”, o Usine pegou fogo com stage dives, moshes e a galera colando no palco para cantar junto.
O setlist contou com músicas como “A fronteira” e “Again and Again”, sempre trazendo mensagens contundentes sobre a importância da sobriedade e da luta animal em qualquer causa social. Os pontos altos da apresentação da banda foram “Resposta a sangue e fogo” e “Casa de Caboclo”, que incendiaram o público e, neste momento, o clima caótico provocou alguns momentos preocupantes, com pessoas se machucando durante o stage dive e precisando ser carregadas para receber atendimento. Mas… nada fora do normal em um show de hardcore.

Desde o início de sua trajetória, o Point of No Return se consolidou como uma banda militante, alinhada ao movimento vegan straight edge e à ideologia anticapitalista. Seus membros sempre usaram a música como uma plataforma para propagar discursos críticos contra desigualdade social, exploração animal e injustiças estruturais. Além disso, a banda fazia parte do Coletivo Verdurada, um movimento independente que promovia eventos hardcore livres de álcool, drogas e com forte apelo político, o que ficou muito claro no show.
A presença de palco intensa e a conexão com o público evidenciaram a relevância contínua da banda na cena hardcore nacional, fechando o show com “Unbroken Feelings”, do Self Conviction, banda formada por alguns dos membros do Point.

Show do Zulu é marcado por polêmicas
O Zulu, de Los Angeles, até poucos dias antes, era uma das bandas mais esperadas do NDP Fest, mas infelizmente enfrentou uma polêmica na véspera do festival, com o vocalista e fundador Anaiah Rasheed Muhammad sendo acusado de agressão e comportamento abusivo por uma ex-namorada, que afirmou ter sido atingida com socos, chutes e tentativa de estrangulamento.
Assim, o guitarrista Dez Yusuf assumiu os vocais principais durante a apresentação, tentando contornar a situação negativa. A apresentação, que contou com músicas como “Our day is now”, “Music to driveby” e “Watching from the sideline”, foi interessante em termos de som, com a banda demonstrando fortes influências do New York Hardcore e metal.

Durante a apresentação, a banda não fez menções sobre o caso e prosseguiu o show, que chegou a agitar o público. Mas o estrago já estava feito e, posteriormente, o Zulu cancelou os shows programados para México e Costa Rica, que aconteceriam nos dias seguintes. Uma situação triste para uma banda tão promissora. Alguns dias depois, o grupo publicou uma nota no Instagram, afirmando que havia cortado relações com o vocalista.

Earth Crisis fecha a noite com apresentação visceral
Às 20h20, o Earth Crisis, última banda do NDP Fest, subiu ao palco, incitando stage dives ainda antes do primeiro acorde soar. A apresentação começou com “Forced March”, seguida por “Forged in The Flames” e “Gomorrah’s Season Ends”, com um som extremamente pesado, que trouxe moshes violentos, resultando em alguns tumultos e brigas, que já vinham acontecendo desde o show do Zulu.
Um ponto interessante foi a presença de diversas gerações de fãs no show do Earth Crisis. Desde “tiozões” acima dos 40, até adolescentes que compõem a nova geração do movimento vegan straight edge. “All out war”, “Born From Pain” e “The Wrath of Sanity” vieram logo em seguida, com o vocalista Karl Buechner mantendo a energia durante toda a apresentação, cantando próximo ao público e oferecendo o microfone a todos que se aproximavam, cantando cada frase a plenos pulmões.
Com um show relativamente curto, mas cheio de intensidade, o Earth Crisis provou que valeu a pena esperar o retorno deles ao Brasil depois de tantos anos. O ponto mais alto e caótico do show foi quando o grupo tocou “Vegan for The Animals” e o hino “Firestorm”, que provocou um intenso mosh e uma chuva de pessoas pulando sobre as outras em cima do palco, enquanto a banda se divertia.

Durante a apresentação, Buechner fez discursos sobre a atuação da banda no meio vegan straight edge, destacando a importância da militância anti-drogas e a favor dos direitos dos animais. Incrível, pesado, caótico e cheio de energia: é assim que consigo resumir o show.
O grand finale ficou marcado pela execução de “Counter”, do Path of Resistance, banda formada por alguns membros do Earth Crisis após um breve hiato da banda. Um detalhe: a apresentação contou com as participações dos vocalistas do Point of No Return e do baixista Leonardo Cantinfras. Uma verdadeira celebração ao espírito de resistência do straight edge e do veganismo. Uma noite para ficar na história.