
Carcaça, suspense do diretor André Borelli, é um filme que sabe utilizar algumas de suas limitações a seu favor. A obra, cuja produção independente é da Borelli Entretenimento, é assinado integralmente por seu idealizador, que tem aqui os créditos de roteirista, diretor, produtor e editor.
A sinopse de Carcaça
Carcaça conta a história de Davi (Paulo Miklos) e Lívia (Carol Bresolin), um casal que, devido a uma pandemia, é obrigado a passar o tempo todo confinado em sua casa, na companhia apenas um do outro. Com o tempo, problemas na convivência causados principalmente pela agressividade e possessividade de Davi, acabam transformando a vida a dois em uma ameaça constante.
Lívia é a clássica esposa troféu, muito mais jovem, controlada e manipulada por seu marido, que busca nela apenas a manutenção da própria autoestima. Essa situação é potencializada pelo cenário de confinamento a que os personagens estão submetidos, obrigando Lívia a estar o tempo todo sob a censura de seu companheiro, que não permite nem ao menos que a esposa crie contas em redes sociais para se distrair. Davi, por outro lado, também se sente vigiado: o personagem esconde um “segredo” que o leva a, todos os dias, se afastar do olhar da esposa para se masturbar observando algum conteúdo que esconde a sete chaves e muitas senhas em um notebook a que só ele tem acesso.
Falta profundidade
É possível que a decisão criativa de confinar os personagens a um único ambiente tenha sido tomada devido à necessidade de baratear custos, afinal, o filme possui apenas uma locação e dois atores. Isso, por si só, não seria um problema, já que alguns grandes clássicos do cinema partem dessa mesma perspectiva, que tende a beneficiar principalmente thrillers e suspenses. Essa claustrofobia, entretanto, poderia ter sido melhor aproveitada. Não há esforços, por exemplo, para contextualizar se o lockdown imposto aos personagens é o mesmo que vivemos em 2020, devido à COVID-19, ou por qualquer outra doença. Joga-se fora uma valiosa oportunidade de acessar memórias recentes dos espectadores para criar ainda mais angústia e incerteza ao contexto da projeção.
A fotografia em preto e branco é outra dessas decisões, que não parece contribuir em muita coisa com a ambientação do filme, nem deixá-lo mais bonito ou mais claustrofóbico. Pelo contrário: por mais que alguns momentos interessantes sejam criados através deste recurso, o monocromático não é bem trabalhado nas cenas mais escuras, nem nas mais claras, que são justamente algumas das mais importantes do filme.
Também não há muito esforço em trazer grandes informações em relação ao segredo de Davi, que é tratado pelo roteiro como um McGuffin: elemento que serve apenas para impulsionar a história, mas que por si só não tem muita importância nem é submetido a algum desenvolvimento. Fica a sensação de que o roteiro não soube desenvolver um segredo horrível o suficiente para justificar o horror incutido em Lívia ao buscar desvendá-lo, ou não teve coragem de dizer com todas as letras aquilo que só ensaia deixar nas entrelinhas.
O Olhar Masculino
Carcaça é um filme cujo tema principal é a opressão e manipulação de uma mulher que, confinada a um parceiro a quem teme muito mais do que ama, começa a ter sua saúde mental e segurança física comprometidas, sem que ninguém possa ouvi-la ou ajudá-la a se livrar deste algoz. É bastante irônico, portanto, a intensidade com que a câmera fetichiza sua protagonista. Carol Bresolin é constantemente filmada de cima pra baixo enquanto usa vestidos, ou através de closes em seu corpo de biquíni ou roupas íntimas e demais ângulos e composições que tateiam um limite um pouco dúbio. Na visão deste crítico – pisando em ovos para não incorrer em qualquer tipo de moralismo ou visão utilitarista da obra de arte – não constroem a personagem, tampouco a visão de seu antagonista, a situação frágil a que está submetida ou qualquer outra composição, textual ou visual, daquilo que a personagem representa para o longa. É como se o texto e a imagem discordassem a todo instante: uma coisa é dita enquanto outra é mostrada, uma das contradições mais constantes do cinema. Em alguns momentos, chega a ser desconfortável.
Carcaça é um filme que se esforça para extrair o melhor do contexto de sua realização, mas que, no final das contas, não tem muito a dizer. Parece temer qualquer profundidade, e por conta disso, pouco se aprofunda. Tem méritos, que mostram o potencial de seus realizadores, mas que ainda não foram concretizados nesta tentativa.
Você esqueceu de falar da interpretação dos dois artistas, que foi maravilhosa. Nota 10 para Paulo Miklos e Carol Bresolin.