Nesta quinta-feira, dia 30 de janeiro, o filme “Trilha Sonora para um Golpe de Estado”, que está indicado ao Oscar 2025, estreia nos cinemas brasileiros.
Trilha Sonora para um Golpe de Estado
O processo de independência dos países africanos foi bastante conturbado e violento. Explorados por diferentes colonizadores, os povos da África como um todo nunca foram respeitados como seres humanos, mas como seres inferiores aos brancos, o que pode ser facilmente comprovado por meio do racismo contra pessoas pretas que ocorre em todo o mundo.
O 3º maior continente do mundo é rico em reservas de petróleo e minerais, como cobre, cobalto, ouro, diamante e urânio, mas a história desses países não chega às salas de aula com o detalhamento e veracidade que merecem, fazendo com que o resto do mundo não compreenda a fundo como um continente tão rico pode sofrer com tanta miséria.
Esse questionamento se aplica ao Congo, que em relação à biodiversidade só fica atrás do Brasil no ranking mundial, mas no tocante ao PIB ocupa a posição 184 numa lista de 193 nomes, sendo um dos países mais pobres do planeta. Sua história é marcada por muita exploração, corrupção e apagamento cultural, sobretudo de países como Bélgica, França e, principalmente, os Estados Unidos.
Por falar dessa potência econômica – que, curiosamente, quase sempre está relacionada alguma guerra -, para compreender o documentário “Trilha Sonora para um Golpe de Estado”, é preciso lembrar que na segunda metade do século 20, os Estados Unidos estavam empenhados em se tornar o principal produtor de armamento bélico, além de tentar conquistar a Lua, lutando (in)diretamente com a antiga União Soviética.
Para essa corrida, no entanto, alguns recursos naturais se faziam necessários. É neste ponto que entra seu interesse no território do Congo, visto que o urânio existe em abundância lá. Esse minério é um recurso estratégico para gerar energia nuclear, porém, para explorá-lo são necessários investimentos altos, que não são um problema para os EUA.
A relação do Congo com o Jazz estadunidense
O jazz surgiu no final do século 19 e foi fundamental para o processo de integração social dos afrodescendentes, pois levou à frente sua cultura, estabelecendo diálogo entre os povos e respeito aos Direitos Humanos, a ponto de ter uma data em sua homenagem decretada pela Unesco, 30 de abril.
Nos anos 1950 e 1960, as lutas pelos direitos civis e humanos da população negra nos Estados Unidos estavam acaloradas. Neste foi o período, tensões políticas no Congo também evoluíam, já que grupos nacionalistas lutavam por sua independência.
A Associação dos Bacongos para a Unificação, a Conservação e o Desenvolvimento da Língua Congo (Abako) foi fundada. Tratava-se de um movimento cultural dos congos que levou à criação de um manifesto que buscava a ruptura com o movimento integracionista que estava vinculado à Bélgica, que colonizava o território desde o século 19.
A Abako ganhou popularidade e venceu as eleições distritais na maior cidade da colônia, na época chamada de Léopoldville, o que lhe rendeu mais visibilidade, estimulando o nacionalismo que levou à criação do Movimento Nacional Congolês (MNC), uma frente única nacionalista, em 1958, liderado por Lumumba e outros dois membros. Este nome é fundamental para a compreensão da história, que começa a ficar quente, tanto quanto o jazz.
Com as tensões políticas aumentando no Congo, o nacionalismo foi ganhando espaço, mas dentro do próprio movimento havia divergências ideológicas. Entre diversas questões que o documentário apresenta, chegamos ao ano de 1960, quando acontece a independência do país, tornando-se República do Congo, tendo como Primeiro-Ministro Lumumba.
Entretanto, seu poderio durou pouco tempo devido a um Golpe de Estado. Lumumba ficou exilado em seu próprio país, inconstitucionalmente. No Conselho de Segurança da ONU, os países buscavam uma solução e entre inúmeras discussões, os músicos Abbey Lincoln e Max Roach – que também lutavam contra a segregação – invadiram o evento em protesto.
Em 1960, os afrodescendentes estadunidenses ainda eram vítimas das Leis de Jim Crow, que legalizavam o racismo e que perduraram até 1964. Ou seja, nos Estados Unidos e no Congo havia povos negros lutando pelo seu direito de existir e de viverem suas culturas, livres da colonização branca.
Após o golpe, para colocar uma cortina de fumaça sobre esse fato, Louis Armstrong, ícone máximo do Jazz naquele momento, foi enviado ao Congo para uma turnê, em outubro de 1960. Sua presença serviu como um reforço à campanha anticomunista neste processo de independência dos países africanos, que ameaçavam os interesses dos colonizadores e exploradores do território. Durante sua apresentação, os grupos opositores cessaram fogo.
Os congoleses receberam Armstrong como um verdadeiro rei, sobretudo após ele declarar se sentir usado pelo governo estadunidense, ameaçando renunciar à cidadania americana. Meses após a visita do músico ao Congo, Lumumba foi assassinado, em janeiro de 1961.
“Trilha Sonora para um Golpe de Estado” é uma aula de história com mais de 2h30 de duração. É uma obra que ecoa por dias, costurada com música, trechos de artigos acadêmicos, falas de personalidades importantes e notícias de jornal. É um despertar para a luta – que não acabou – de pessoas negras em todo o mundo. É uma aula sobre a importância da arte e sobre como a arte e a política andam juntas, por isso governos totalitários e autoritários lutam contra ela. É um filme para quem gosta de aprender.