O filme Peça por Peça conta a história de Pharrell Williams em formato de lego… mas será que vale a pena assistir?
As cinebiografias musicais sempre foram um subgênero muito popular devido ao fácil apelo que esse tipo de obra exerce em seu público-alvo: os fãs. Não é uma tarefa muito difícil arrastar um fã para o cinema para assistir à dramatização da vida de um ídolo, ainda mais quando o ídolo em questão é um músico. Identificação, trilha-sonora recheada de hits e uma boa história de superação (mesmo que nem sempre fiel à realidade) são a fórmula mágica para lotar bilheterias e temporadas de premiação.
A alta popularidade, é claro, também contribui para evidenciar o principal problema do gênero: a falta de criatividade. Filmes inventivos como Rocketman e I’m Not There, que saem do básico do gênero ao recontar as trajetórias de Elton John e Bob Dylan, respectivamente, são raros exemplos em um mundo de produções que mais parecem a versão censurada de um artigo da Wikipedia, caso de Bohemian Rhapsody, que conta a história de Freddie Mercury da maneira menos imaginativa possível.
Lego é a solução?
É preciso admitir: é impossível não criar algum interesse ao conhecer a proposta de Peça por Peça: contar a história do músico Pharrell Williams por meio de uma animação feita com as famosas peças de montar Lego. A animação, técnica historicamente associada a produções infantis, é a plataforma perfeita para trazer as inovações de linguagem e o frescor que as biopics musicais clamam há tanto tempo. As possibilidades, afinal, são limitadas apenas pelo orçamento, o que não parece ser um problema para a Universal Pictures, o Grupo Lego, e claro, para Pharrell Williams.
Apesar disso, Peça por Peça é um filme bastante convencional em sua execução: um documentário musical repleto de depoimentos de figuras famosas que passaram pela vida pessoal e profissional do artista, como Gwen Stefani, Kendrick Lamar, Timbaland, Justin Timberlake, Busta Rhymes, Jay-Z e Snoop Dogg. Todos de plástico, claro. É um deleite reconhecer algumas das fisionomias mais famosas da indústria musical em suas versões Lego, e é na recriação de vídeo clipes icônicos, como Drop It Like It’s Hot, de Snoop Dogg, Happy, do próprio Pharrell e Alright, de Kendrick Lamar, que o filme brilha. Pharrell é um hitmaker incontestável, e é quase impossível sair da sessão de cinema sem ter cantarolado pelo menos uma ou duas músicas durante a projeção.
A animação em Lego também se mostra uma excelente escolha para representar a sinestesia, condição neurológica experimentada por pessoas que conseguem misturar alguns dos cinco sentidos. Logo no início do filme, Pharrell menciona ser capaz de enxergar a música como ondas visuais de cores variadas, algo que é traduzido para o espectador através da interação com peças de Lego brilhantes, coloridas e de formato variado.
Nem tudo são flores (de plástico)
Existe um fator constante que separa as grandes biografias das medíocres: o envolvimento do biografado ou de seus representantes legais na obra. Pharrell, afinal, é produtor executivo e protagonista do próprio filme, e exerce grande controle criativo no resultado final. Em uma projeção de 1h33 minutos, apenas 10 minutos (contados no relógio) se dedicam a explorar polêmicas ou más decisões que o músico precisou enfrentar ao longo de sua carreira. Os momentos finais do filme sugerem até mesmo uma reconciliação com Chad Hugo, parceiro de longa data de Pharrell que, no momento da publicação deste texto, segue processando o parceiro sob a acusação de monopolizar direitos autorais que pertenciam aos dois igualmente. Não há espaço para ambiguidades ou grandes dilemas morais: tudo se resolve em uma ou duas linhas de diálogo que repetem discursos motivacionais sobre talento e predestinação.
No fim das contas, Peça por Peça se parece mais com uma grande propaganda de seu biografado do que com um filme: trata-se de Pharrell celebrando sua própria carreira, mostrando apenas o que deseja mostrar e arriscando bem pouco, por mais que o primeiro contato com o material busque transparecer o contrário. Repetidas vezes durante o longa, o próprio Pharrell expressa o quão disruptiva é a ideia de uma autobiografia em Lego. O resultado, entretanto, é conservador. Uma egotrip em plástico, mas mesmo assim muito divertida.