Sábado, 30 de novembro, a banda Francisco, el Hombre estava para fazer sua última apresentação da sequência de quatro shows na Caixa Cultural na Sé, em São Paulo. Às 17h, duas horas antes do show, o Musicult estava lá para conversar com a banda, que completa 10 anos de carreira.
Mesmo tendo o tempo previsto de entrevista já definido, Sebastián Piracés-Ugarte (percussão e voz) nos recebeu simpático, perguntando quanto tempo precisávamos e explicou “Vou ser sincero, estamos com pouco tempo porque tivemos que fazer algumas alterações”.
Na hora não sabíamos, mas o motivo das alterações seria que a banda tocaria sem Andrei Kozyreff (guitarra e voz). Andrei teve um imprevisto familiar e, um pouco antes do show começar, Sebastián entrou no palco, e explicou a situação para os fãs:
“ (…) a gente sobe no palco e faz música com muito amor e nunca pedimos nada em troca, mas hoje é um dia que precisamos de muito amor sim. Muito amor, compreensão e barulho”.
Enquanto a fala de Sebastián mostrou uma união genuína entre a banda, e consideração por Andrei, a reação carinhosa e alegre do público foi a prova de que sim, a relação da Francisco, el Hombre com seus fãs é especial.
Hoje com quatro álbuns lançados, além de EPs, a banda que surgiu oficialmente em 2016 já teve bloco de carnaval, indicação ao Grammy Latino e, recentemente, anunciou um hiato indefinido.
A entrevista que a Francisco deu para o Musicult foi um bate-papo descontraído com os quatro integrantes, Mateo Piracés-Ugarte (voz e violão), Juliana Strassacapa (voz e percussão), Helena Papini (baixo e voz) e Sebastián, confira!
O álbum Hasta el Final me parece como uma homenagem à troca de vocês com o público nos shows. Quando vocês começaram, esperavam que essa relação ia ser tão importante pra banda?
Sebastián: A Francisco, el Hombre sempre foi sobre trocar com o público. Começamos tocando nas ruas, então a gente vem dessa escola de artista de rua. E o artista de rua só existe porque ele troca com o público. Esses anos da Francisco e shows são e tem a ver com essa troca. Fico muito feliz que vocês tenham interpretado o Hasta el Final como uma homenagem ao nosso público. E eu digo mais, acho que não apenas é uma homenagem, mas é um agradecimento, reconhecimento a todos que nos acompanham há tanto tempo, todas as parcerias que a gente conheceu pela a estrada, que já fizeram parte dessa família Francisco, el Hombre, seja equipe ou família. É um gesto de agradecimento a todo mundo que constrói esse movimento junto com a gente.
Nesses mais de 10 anos de shows, composições e convivência entre a maioria de vocês, levam alguma coisa para a vida pessoal e projetos futuros?
Juliana: Essa é uma grande escola, então foi uma formação de muitas coisas, de como compor um coletivo de maneira mais saudável, um pouco mais horizontal e realmente aprender a trabalhar a partir do coração, uma maneira muito afetiva. Claro que tem coisas que eu vou fazer diferente no meu caminho solo assim com cada um, eu imagino, mas muito da formação acho que veio daqui. Vou levar muitas coisas.
Sebastián: Uma grande questão dessa vida na Francisco, el Hombre é de como, falando sobre a troca, a gente coloca muito de nosso coração no palco e como a gente espalha alegria e busca espalhar esse amor. E também como é bonito perceber e aprender com a Francisco e quanto mais a gente espalha esse sentimento bom, esperançoso, amor afetivo, isso é devolvido para gente. Isso com certeza transforma também nossas realidades pessoais, não tem como não vivenciar isso há tantos anos, essa troca tão sincera, e depois chegar em casa e a gente perceber que essa é uma enorme lição: contagiar o próximo com amor.
Já existe a data para o último show. O que o público pode esperar desse grande “até mais”?
Helena: É como você pensar que vai encontrar alguém que gosta muito por uma última vez, pelo menos por um tempo, e pensar o que mais legal você poderia fazer com essa pessoa, como você gostaria de se divertir com ela, algo que ela gosta muito de fazer e você quer fazer aquilo para ter um momento inesquecível. É meio com esse sentimento que a gente sobe no palco, sabe? Para ter um momento muito legal pela última vez com as pessoas que vão estar lá. Então, tudo o que as pessoas já conhecem de um show da Francisco pode ser potencializado muitas vezes.Toda a catarse, alegria, emoção, pulos, abraços, pessoas cantando. É justo imaginar isso muito maior, porque tanto a gente quanto as pessoas que estarão ali, imagino, estarão muito entregues ao momento, muito a fim de viver isso e tornar esse momento inesquecível.
Sebastián: Provavelmente a Helena vai pular do palco, e eu não vou deixar ela pular sozinha (risos).
Mateo: A maneira como eu fiz a pós-produção do disco Hasta el Final foi justamente para as pessoas ouvirem o disco de cabo a rabo e matar a saudade do show. E quando eu digo “as pessoas” é a gente também né! Hoje ou ontem eu botei o disco e falei “caraca como lembra o show! Como eu vou sentir saudade disso lá na frente”.
Tem algumas espécies de cigarras que ficam nove anos, outras 15, embaixo da terra vivendo ali para, de repente, poder ficar de quatro dias a duas semanas cantando em cima da terra. E aí cessa a vida delas.
O show pra mim é isso: esses quatro dias a duas semanas é o momento que você bota tudo pra fora, tudo vale a pena, toda a constução valeu a pena. Isso vai ser esse show finaleira.
Vamos voltar um pouco para o passado, lá em 2019. Depois do sucesso que foi SOLTASBRUXA, a personalidade e sonoridade do RASGACABEZA foi uma surpresa muito boa e diferente. Essa mudança, do 1º álbum para o 2º foi pensado ou algo orgânico?
Sebastián: Foi completamente pensado. Em cada disco temos um contexto, uma temática e quando a gente vê em retrospectiva parece que tudo faz sentido. Naquele momento, a gente vinha vendo uma situação muito tóxica se esboçando pelo Brasil, pela nossa realidade, víamos aquela nuvem tempestuosa chegando e eu acho que todo mundo que viveu essa nuvem tempestuosa chegando sentiu a necessidade de extravasos. A gente identificou muitas necessidades de extravasos diferentes em vários membros da banda. A gente que veio dessa síndrome do undeground de “quero ser esquisito”, essa urgência costurada com nosso contexto nos fez precisar ser mais único, autêntico e esquisito possível naquele momento, fazer o mais diferente, o menos esperado. A gente queria romper com tudo. Quando lançamos esse disco, me lembro que no primeiro momento muitas pessoas nos mandaram mensagem falando que não gostaram, que não acreditavam que a gente tinha ido por esse caminho depois de termos plantado sementinhas tão interessantes no SOLTASBRUXA, a tal ponto que isso nos abalou e nos fez questionar esses rumos.
Percebemos que esse esquisito, na verdade, era considerado assim porque ainda não era entendido. Afinal a Francisco, el Hombre, que era uma banda de hippie, que passava o chapéu, de repente tem outras vestimentas, tem outra performance, outra cara, uma coisa macabra, estranha, energética… A gente percebeu que bastava contato, conhecimento e troca para que as pessoas pudessem assimilar. Hoje as pessoas que criticaram e depreciaram têm esse disco como um queridinho. Isso me diz muito sobre o que é fazer movimentos artísticos de vanguarda. Eu não só quero falar isso no sentido de que a gente é… é porque às vezes nem a gente sabe o que está fazendo direito, são emoções à flor da pele, mas muitos movimentos artísticos de vanguardas geraram um estranhamento. Isso é muito bonito, é massa e desafiador tankar o “ser esquisito, ser vanguardadista”.
Helena (para Sebastián): Quando eu falei que era meu disco preferido desde que entrei na banda você ficou feliz? (risos).
Sebastián: Fiquei muito feliz, claro.
Helena: Sem brincadeira, eu não estava na banda quando esse disco saiu, porém eu estava na festa de lançamento dele aqui em São Paulo e pra mim foi, de fato, uma ruptura. Porque quando a gente monta uma banda, a gente cria uma referência de nós mesmo para quem escuta. É por isso que é sempre “o famoso segundo disco é o disco mais difícil de uma banda”, porque você criou uma referência no primeiro, quando ninguém tinha referência de nada porque você não existia, e depois começa a ter algo que você estabeleceu. Mas também é muito sobre a referência que cada pessoa tem quando escuta algo, e quando eu ouvi o RASGACABEZA foi o que mais bateu com as minhas referências mais profundas, minhas raízes musicais. E ver a Francisco subir no palco, explodir aquele palco do nada, foi realmente revolucionário para mim, com base no que eu já conhecia da banda antes, realmente foi uma ruptura enorme. Pra mim, foi o melhor disco que a banda tinha gravado até então, porque depois vieram os que eu gravei (risos coletivos).
Juliana: A partir do ponto zero, a pessoa lança um disco e aquele é a referência. No segundo, o único parâmetro que você tem de referência é o anterior; quando tem a partir de três, você começa a entender um pouco melhor a história, estabelecer uma relação com aquilo. A gente também tem mais entendimento sobre que caminho criativo é esse. Porque vamos criando a identidade de uma banda ao longo do caminho. Acho muito interessante esse lugar de ousadia, uma palavra interessante para falar sobre desafiar os próprios limites criativos, não ficar só apostando no lugar que, com certeza, vai dar certo, que é a receita que já deu certo. Se esse é seu modus operandi, larga tudo isso e vai pra outro lado e vê qual é, pra reinventar, pra oxigenar. De fato, foram vários caminhos, a gente expressou bastante nossa veia rockeira, esquisita e mais punk, nesse disco. São muitas possibilidades, identidades de uma banda. Esse coletivo, por exemplo, tem histórias em comum ao longo do tempo, outras bandas… Então já tinha esses pontos de intersecção que a gente foi entendendo e botando para fora criativamente a partir de cada veia artística.
Existe uma grande mística sobre o processo criativo das bandas e artistas, de onde vem a inspiração etc. Como é o processo de composição de vocês? Algo mudou ao longo desses anos?
Sebastián: Eu tenho uma certeza absoluta do processo de criação na Francisco, el Hombre: que não há nenhum caminho certo. Cada música, cada momento tem o seu jeito, e é muito legal experimentar com a criatividade. Tem música que surgiu a partir da letra, música que surgiu do violão, de um riff de guitarra, de uma batida, de uma improvisação, de um erro no show. Fazer arte é sobre você se empenhar numa direção criativa e continuar nela até que isso se transforme em algo. Às vezes você não sabe onde vai dar… É tudo uma questão muito orgânica que não tem um certo e errado.
Tem muitas sementinhas aqui que precisam encontrar seu terreno fértil, de nós todos brotam movimentos e essas ideias encontram terreno fértil na cabeça de outras pessoas, nas mãos, na habilidade, até se desenvolver em alguma coisa. É muito subjetivo falar isso porque realmente a gente gosta de experimentar muito. Muito do que a gente faz no palco é fruto da espontaneidade que vem desde quando a gente estava tocando na sala de casa, na rua, um showzinho…
Não tem caminho específico, tem infindáveis caminhos que boto fé que no futuro, quando a gente se juntar, a gente vai descobrir ainda um novo caminho.
Helena: O exercício da composição acontece realmente o tempo inteiro para quem compõe, mesmo quando você não tá especificamente pensando naquilo. A pessoa compositora trabalha isso realmente o tempo inteiro, em alguns momentos a gente vai sentar e se direcionar para fazer aquilo de fato, assim como em outros momentos você tá andando pela rua e pode vir uma semente de ideia, de uma melodia, ou você tá escutando um alarme de carro e aquilo traz uma ideia de som. Eu acho realmente que o processo de composição acontece o tempo inteiro na nossa vida, sobre tudo que a gente faz. Tem várias coisas em nosso show que foram compostas durante a turnê, arranjos, de coisas que a gente faz durante o show, bases que a gente trouxe pro disco de 10 anos, por exempo. O tempo inteiro a gente está em contato com o criar.
O sentido para vida de um artista é a criação, no nosso caso todo mundo aqui é compositor e isso é um combustível da vida mesmo. Considero a composição um exercício de 24 horas por dia. Tudo que a gente faz colabora para a criação.
Juliana: Eu entendo que tudo é inspiração. Talvez aquilo não seja utilizado no momento imediato, mas eu faço uma coisa de repescagem de ideias, ouço um negócio hoje, eu escrevo, tenho uma ideia e vou escrevendo. Algumas músicas vêm de combinação de coisas que foram vindo ao longo de um tempo, tem música que a gente fez que levou 10, nove anos pra nascer, e a gente começou mexer, mas não era o tempo de nascer. Várias músicas que a gente lançou agora ficaram muito tempo no limão.
Sebastián: Até mesmo a faxina de casa, ou a roupa no varal podem ser inspiração (risos). No disco Casa Francisco, a música “Arrasta” é fruto de uma faxina que precisava acontecer em um quartinho, que uma pessoa da banda, que eu não vou falar quem, não arrumou durante anos. A gente pode ser refém da inspiração, mas ao mesmo tempo eu não gosto de pensar assim, acho que a gente pode propor exercícios de desenvolvimento artísticos, e através desses exercícios fazer uma ginástica criativa. Percebemos que a gente pode guardar uma ideia incrível, mas geralmente não se trata sobre esperar o momento certo, se trata sobre desenvolver a sua sensibilidade e saber aproveitar o que se tem na mão.
Nosso tempo acabou, então para encerrar, quero pedir para cada um de vocês indicarem alguma coisa, um disco, uma peça de teatro, série que estão assistindo…
Helena: Vou indicar um álbum incrível chamado TRANSESPACIAL (Fitti – ouça aqui). Saindo daqui ontem eu fui em um show na Casa Francisca e foi incrível, maravilhoso! Acho que vale a pena, é uma nova geração de artistas, uma voz diferente, um jeito de cantar diferente.
Sebastián: Estou sugerindo essa peça de teatro sem ainda ter tido a oportunidade de ver, mas tô louco de vontade: Torto Arado é um livro lindo que, desde o momento em que li, me marcou profundamente. Estou louco pra ver a peça de teatro, tanto pela teatralidade quanto pela banda que tá junto com a peça, me falaram que só pela musicalidade já vale a pena. Então me parece que é um combo imperdível.
Mateo: Vou indicar o disco Radio Güira do Juan Luis Guerra, um artista da República Dominicana que faz muita bachaca e esse disco ganhou um monte de Grammy agora, é sensacional, estou viciado.
Juliana: Uma artista que eu fiquei muito chocada de ver ao vivo: a Vanessa Moreno. Fiquei abismada, impressionada. Ela traz uma percusividade junto com melodia na voz e violão. Tudo muito incrível, essa menina arrasa.
Muito obrigada pessoal. Um ótimo show! Vai ter Arrasta hoje?
Todos: Vai ter Arrasta hoje! Obrigado!
Confira a agenda dos próximos e últimos shows da Francisco, el Hombre pelas redes sociais da banda.