Clube Zero é, talvez de propósito, um filme muito confuso. Não que seu texto seja complexo demais, tenha personagens demais ou seja difícil de acompanhar. A estrutura do longa é na verdade tão simples que, num primeiro momento, pode enganar o espectador a respeito de suas reais intenções. E essa é uma sensação que não acaba com o final do filme.
Novo longa-metragem da diretora austríaca Jessica Hausner, Club Zero conta a história de Senhorita Novak (Mia Wasikowska), uma professora recém-chegada a um colégio de elite com a missão de ensinar educação alimentar aos estudantes adolescentes, em sua maioria atletas e artistas de alta performance. As aulas, entretanto, rapidamente começam a representar um grande perigo aos alunos, quando a professora começa a difundir sua filosofia de comer cada vez menos, até chegar ao ponto de parar completamente de se alimentar.
Sátira ou lição de moral?
É muito fácil torcer o nariz para a proposta de Clube Zero, que, em seus primeiros momentos, se parece perigosamente com uma campanha de conscientização em relação a transtornos alimentares como a anorexia e a bulimia, além da busca por corpos excessivamente magros e que atendam às expectativas socioculturais para jovens de alta renda e performance.
O filme, visualmente muito interessante, fotografado com cores de alto contraste, ângulos pouco comuns e diálogos rápidos, ácidos e quase fantasiosos, coloca o espectador em uma situação de vulnerabilidade: é impossível não se perguntar se você foi enganado e entrou no cinema para assistir a um sermão sobre os perigos dos transtornos alimentares. Praticamente um PROERD, mas você é adulto e pagou pelo preço do ingresso.
A estética hiperestilizada criada por Jessica Hausner ajuda a potencializar a agonia vivida pelos pupilos da professora Novak. Afinal, em um mundo onde as aparências são tão importantes quanto o conteúdo, a magreza extrema parece ser a única casca em que um jovem bem-sucedido e pertencente a uma respeitável instituição de ensino pode habitar. É inevitável não lembrar de Wes Anderson, mas aqui, as cores e ângulos fantasiosos só servem para oprimir tanto os personagens quanto o espectador.
É após o primeiro ato que a projeção realmente mostra a que veio: os limites entre o moralismo e uma fábula imprevisível e bem construída começam a se mostrar cada vez mais tênues. A atuação sarcástica de Mia Wasikowska representa grande parte desse trunfo, e o núcleo principal de estudantes também não decepciona, entregando personagens complexos, reativos e sarcásticos, assim como a maioria dos adolescentes. Em determinado momento, após julgar saber exatamente pra onde o filme tenta te levar, é normal se surpreender com o fato de que não há como prever como a história – cada vez mais absurda – terminará.
Não há para onde correr
A constante decisão das câmeras de encurralar seus personagens de frente, como se estivessem olhando nos olhos do espectador, desafia a clássica lógica de voyeurismo do cinema. É como se, a todo instante, algum dos membros do Clube Zero estivesse te perguntando a sua opinião a respeito dos acontecimentos em tela. Um chamado para a ação que não se concretizará, afinal, você está sentado no escuro e não tem escolha além de presenciar o destino possivelmente trágico dos pobres-meninos-ricos e vulneráveis a um mundo cheio de olhares inquisidores e ávidos de conclusões, como os do espectador.
A sensação de ambiguidade, felizmente, persiste após o final do filme. É um alívio perceber que o roteiro não se esconde em soluções óbvias, e nem faz questão de explicar demais seus aspectos mais fantasiosos. Clube Zero é um filme ácido como seus personagens, intimidador como sua ambientação, desesperançoso como o espírito de sua época. A moral da história é, se muito, pessoal e intransferível.