Nesta quinta-feira, 29, estreia nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador, “Amanhã”, documentário de Marcos Pimentel, que foi premiado no 27º FAM – Florianópolis Audiovisual Mercosul (Melhor Longa Júri Popular) e que narra a história de 3 personagens reais: Julia Maria, Cristian e José Tomás.
Um documentário de 20 anos sobre 3 pessoas e duas versões de um mesmo país
Filmado em Belo Horizonte, Amanhã é um documentário que mostra, dentro de um microcosmo – 3 crianças e dois universos separados pela Barragem Santa Lúcia. De um lado da barragem há uma favela e do outro há prédios de famílias classe média.
O filme começa em 2002, quando Pimentel filma essas três crianças, Julia, Cristian e José, em seu dia a dia, basicamente de brincadeiras e bagunça, coisas que as crianças amam fazer. Os três brincam ignorando problemas e diferenças que só surgem quando passamos a entender o mundo.
Vinte anos depois, Julia, uma mulher, se vê criança na tela e se emociona. Então, passamos a ouvir Julia contar que seu irmão, que também aparece criança no início do documentário, está preso e que já foi preso outras vezes. A mãe dos dois irmãos também aparece nessa segunda fase do documentário, que filma, inclusive, a saída de Cristian da cadeia e o emocionante reencontro da família.
Assim, Julia e Cristian, ao longo do filme, contam a história de suas vidas, seus erros, medos, angústias e sonhos. Ela, mãe, espera que sua filha tenha uma vida melhor do que a teve; ele assume os erros e más escolhas que o levaram à prisão e tenta iniciar uma carreira na música. Ambos vivem no mesmo lugar de quando eram crianças, só mudando a residência, depois de projetos sociais do governo.
Já a vida adulta da terceira criança, José Tomás, é um mistério que permeia o documentário e também um reflexo da divisão de classes que está inerente à história desses três personagens, e que também foi o ponto de partida para a ideia deste documentário.
O diretor, Marcos Pimentel conta que, ao se mudar para Belo Horizonte, em 2000, se espantou com a região da Barragem Santa Lúcia e seu contraste social. Uma das coisas que mais o impressionou é que as pessoas da classe média não iam para o outro lado, e vice-versa. Isso lhe pareceu uma espécie de apartheid em plena virada do milênio.
“Então, resolvi pegar crianças de cada lado, provocar o encontro delas na barragem e levar uma para passar um fim de semana na casa da outra e vice-versa. Como criança não têm preconceitos, surgiram encontros maravilhosos entre pessoas que moravam tão perto, mas, ao mesmo tempo, eram tão distantes. Era a vontade de unir duas pontas de uma sociedade partida, eliminando distâncias entre quem vive lado a lado em partes muito diferentes de uma mesma cidade, fingindo que não tem vizinhos tão diferentes logo em frente às suas casas”
Depois das filmagens iniciais, o diretor sempre pensava como poderiam estar aquelas crianças, mas foi só com o governo de Bolsonaro, que ele resolveu voltar ao local, procurá-las, e retomar o documentário.
“O Brasil mudou radicalmente nos últimos anos. Entre 2002 e 2022, o país foi virado do avesso e a sociedade brasileira reflete cada uma destas mudanças. Os trágicos 4 anos do governo Bolsonaro me deixaram com a certeza de que havia chegado o momento certo para voltar. Havia ali um ponto de mudança capaz de dialogar perfeitamente com o efeito do tempo sobre as crianças filmadas em 2002.”
Indo desde as sutis diferenças a um retrato macro de como um só país pode ter duas versões, “Amanhã” não tem sido elogiado em todos os festivais por onde passou à toa, sendo não apenas mais um documentário, mas um documento, de fato, de parte da história do nosso país.
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