O que é “música popular brasileira”? É o funk e outros ritmos que nasceram das periferias e tocam nos bailes dessas regiões ou são os clássicos que, acompanhados de um violão, compuseram músicas que tocam na alma de quem as escuta até hoje? Para nós e para o festival Turá, é tudo isso.
E durante o último fim de semana, no parque Ibirapuera, a música popular brasileira, em todas as suas vertentes, foi celebrada. E mais do que um fim de semana de diversão, o Turá foi uma deselitização do que se entende por MPB.
1º dia de festival Turá: o funk em um festival no Ibirapuera
O festival começou em clima de carnaval, festa mais popular do Brasil, com o bloco Pagu abrindo os trabalhos no palco antes dos shows de Lucas Mamede e Maria Rita.
Às 16h40, a tarde ainda era de muito sol e o local escolhido só tornou o festival mais agradável, com várias árvores e espaços de descanso. Nessa hora, o DJ Mu540, famoso por uma música com Tasha & Tracie, subiu ao palco e transformou um festival, até então, de MPB em um fluxo, com muito proibidão e um som altíssimo.
O set foi bom pra esquentar o clima para a atração seguinte: MC Hariel, que fez um dos shows mais marcantes do festival Turá 2023.
Passando por seu novo álbum e músicas mais antigas, Hariel também relembrou a trajetória de MC Kevin e, ao discursar sobre a emoção e o significado que sua presença em um festival como o Turá tinha para o funk, cantou os clássicos Claudinho&Buchecha e Cidinho&Doca, donos do hit “Rap da Felicidade”, que complementou as palavras do MC, que pediu para que as pessoas que estivessem ali pensassem sobre o funk como um instrumento de mudança na vida de jovens da periferia e que lutassem pelo fim do preconceito com os funkeiros.
Com a família na plateia, Hariel também disse que quem estaria feliz com ele ali no festival era seu falecido pai, que tinha uma banda de ritmos sulamericanos, e que jamais imaginou um dia estar no camarim ao lado de Jorge Ben Jor.
Zeca e Jorge Ben fecham primeiro dia de festival exaltando São Jorge
A noite terminou saindo de um baile funk para uma roda de samba gigantesca, com o festival lotado de pessoas ansiosas por Zeca Pagodinho, que, acompanhado de uma ótima banda, sobe ao palco com sua camisa estampada, fazendo um brinde (vários, na verdade) e cantando músicas que todo mundo sabe cantar do começo ao fim.
Zeca chamou seu show de “festa no terreiro” e, por isso, a emoção na música “Ogum” não deixou de rolar entre os presentes.
Ogum é São Jorge, e foi com a oração a ele que a Banda do Zé Pretinho, comandada por Jorge Ben Jor começou o show memorável que fechou a primeira noite de Festival Turá.
Depois da oração veio uma enxurrada de músicas que marcaram a história da música brasileira e, não à toa, Jorge Ben provou ser um músico atemporal e que sabe fazer um show para os mais velhos e para os jovens de 20 e poucos anos que foram ao festival. Destaque para os momentos em que “País Tropical” e “Taj Mahal” foram tocados.
2º dia de festival Turá: It’s only Calypso, but I like it
Se juntar MPB, funk e samba já foi uma grande misTURA, o festival ousou ainda mais no seu segundo dia, que começou com o mais um bloco de carnaval – A Espetacular Charanga do França – e o trio indie pop Tuyo.
Na sequência, o rapper Delacruz, cujo som flerta com o R&B, levou BK’, Luccas Carlos e a cantora Clau para o palco.
E do rap mais romântico, o público, que lotou o espaço externo do auditório do Ibirapuera no domingo, voltou 20 anos no tempo e cantou os clássicos de Pitty no álbum “Admirável Chip Novo”.
Apesar de empunhar uma guitarra, como fazia nos shows do começo de sua carreira, e levar a turnê comemorativa ao Turá, Pitty fugiu do roteiro e convidou Céu e Marcelo D2 para o show. Com Céu, cantou “Me Adora” e “Varanda Suspensa”. E com D2, “Mantenha o Respeito”.
Os 3 fecharam o show da rockeira com uma homenagem a Gal Costa.
Ficou difícil saber quem levou mais gente ao festival: o rock, de Pitty, ou o Calypso, ritmo que deu nome a uma das bandas mais famosas do Brasil, que já não é mais uma banda, mas também não podemos dizer que é “apenas” Joelma, porque a mulher é um acontecimento.
Dançando o show inteiro, Joelma é dona de uma voz poderosa, não faz playback e tem uma disposição de dar inveja a qualquer adolescente. E seu público é um dos mais apaixonados. Mesmo antes do show, era possível cruzar com pessoas usando a camiseta da banda Calypso nos arredores do parque.
Joelma também teve sua convidada especial, Mariana Aydar, que emocionou a todos ao cantar “Espumas ao vento”.
A festa da música brasileira terminou com clima de festa de família
Às 20h25, o público se recuperava do calor que foi a apresentação de Joelma e os membros da família Gil começavam a ocupar o palco para o show que fechou o festival.
Deixando tudo com aquele clima de festa de família – e que família talentosa – netos, filhos e nora dividiram os vocais com o patriarca Gilberto Gil, que comandou um show que além de uma aula de música, foi uma aula sobre ancestralidade.
E sobrou espaço para contar sua própria história. Gil relembrou os tempos de Doces Bárbaros e cantou em homenagem a Gal Costa, e também chamou seu afilhado, Beto Lee, para tocar guitarra e homenagear Rita Lee.
Amados pelo público, os netos Gilsons cantaram seu sucesso “Várias queixas”, e Preta Gil foi ovacionada tanto quando estava nos backing vocals, como quando cantou “Sinais de Fogo”.
E foi promovendo uma deselitização do que se entende por música popular brasileira, sem julgamentos e unindo diferentes estilos que o Festival Turá encerrou sua 2ª edição em São Paulo em 2023 se prepara para a primeira em Porto Alegre ainda esse ano.
Sem entrar na discussão sobre os valores dos ingressos e o local do festival, o grande acerto do festival foi colocar artistas que são sucesso nas periferias e, normalmente são diminuídos por elitistas culturais, como um funkeiro da nova geração, que transita entre letras conscientes e sobre ostentação e sexo, no mesmo palco que Maria Rita e Jorge Ben, e, no dia seguinte, colocar Joelma logo após Pitty e antes de Gilberto Gil. Não há nenhum gênero maior ou menor, melhor ou pior, música é música. E deve ser celebrada.