O menino de ouro que morreu cedo demais foi um jovem de vinte e poucos anos, tímido, de voz baixa, jeito calmo e simpático. Quando subia no palco, com seu cabelo bagunçado e camisa de flanela, enfeitiçava todos com uma voz que ia do lírico ao rasgado e músicas orgásticas. Esse foi Jeff Buckley, uma das maiores revelações dos anos 90.
O filho de um pai ausente
Não é de hoje que pais ausentes formam excelentes músicos deprimidos — peço licença para destacar a ironia e sarcasmo da frase. Jeff foi filho de um famoso cantor da cena folk americana entre os anos 60 e 70, Tim Buckley.
Apesar disso, seu pai não teve nada a ver com o despertar do talento do filho. Um típico rock star ausente e viciado em drogas, Tim viu Jeff apenas uma vez, quando o filho tinha seis anos. Quando o pequeno Jeff Buckley fez 9 anos, seu pai morreu de overdose com 27 anos.
A introdução ao mundo da música ficou por conta da mãe de Jeff, Mary Guibert, uma pianista, enquanto o padrasto ficou encarregado de apresentar bandas clássicas de rock para o menino. Com cinco anos, Jeff já se interessou pelo violão e com 12 resolveu que queria ser músico e montou uma banda de jazz na escola.
Apesar do talento ainda escondido para o canto, Jeff não queria cantar porque desejava passar longe das comparações com seu pai, mas como se fosse o destino, o rapaz foi convidado para um show tributo ao seu pai e lá cantou pela primeira vez em público, mostrando que sua voz tinha um timbre totalmente diferente de seu progenitor e, talvez, muito mais encantadora (essa história pode ser assistida no filme Saudações de Tim Buckley, onde Jeff é interpretado por Penn Badgley),
Grace — melancolia e beleza noventista
Diferente de Kurt Cobain, não há registros que dizem se Jeff Buckley tinha depressão e problemas psicológicos, mas é difícil ouvir sua música e assistir a suas entrevistas e não pensar que o rapaz tinha alguma tendência à melancolia.
Timidez ou não, aos 25 anos, Jeff Buckley gostava de cantar em um bar pequeno e underground quando, em 1992, a gravadora Columbia Record o achou. A partir dali nasceria Grace, um dos melhores álbuns da década de 90.
Uma voz que pode ir para qualquer lugar
Você escuta Grace, a primeira música do disco homônimo, e é uma sedução arrebatadora. Parece que a melodia e voz de Jeff brincam com nossa capacidade de dedução: para onde ele está indo? Para um lugar estranho e bonito.
Timbre angelical, agudos muito difíceis de serem atingidos por homens, uma excelente administração de fôlego e um rasgado gostoso de ouvir. Entre gemido e gritos raivosos, Jeff Buckley nos leva para uma viagem sensorial por todo seu disco, lançado em 1994, o primeiro e único CD de estúdio do cantor. A obra foi uma amostra do caminho que grandes bandas da época, como o próprio Nirvana, poderiam ter seguido.
“Grace e Eternal Life [músicas do álbum] são sobre a alegria que a música dá – a sensação, provavelmente ilusória, de poder fazer qualquer coisa. Sexo é assim. Você se torna totalmente consumido pelo momento. Aparentemente, o orgasmo é o único ponto em que sua mente fica completamente vazia – você não pensa em nada naquele segundo. É por isso que é tão atraente – é uma pequena amostra da morte. Sua mente está vazia – você não tem nada em sua cabeça exceto luz branca. Nada exceto aquela luz branca e ‘SIM!’ – o que é fantástico. Apenas sabendo ‘Sim'”.
Jeff Buckley em uma entrevista para a revista B-Side Magazine, em 1994
Romance, depressão e revolta
Na transição do ápice do grunge para rock alternativo e indie, não foi à toa que Grace encantou críticos de música e uma audiência alternativa. Embora Jeff teve o que era preciso para ser elogiado por grandes músicos como Paul Mcartney e Robert Plant, ele não foi um músico prepotente com músicas difíceis de digerir, sendo capaz de se comunicar com a geração noventista, uma geração revoltada, deprimida e romântica.
Jeff Buckley era tão bom, que sua hipnotizante performance ao vivo era ainda melhor que o álbum de estúdio. Mas tudo que é bom, aparentemente, dura pouco.
No dia 29 de maio de 1997, aos 31 anos, enquanto trabalhava no segundo CD, Jeff resolveu nadar no Wolf River. Seu amigo Keith Foti, disse que ele cantava Whole Lotta Love do Led Zeppelin quando mergulhava. Inesperadamente, Jeff não voltou vivo do rio. Uma morte trágica e repentina. Ele deixou fãs órfãos e uma audiência que ainda nem tinha nascido faminta por seu talento e com a ilusão de que, um dia, sentiria por outro artista o encanto e estranheza que teve ao ouvir Grace pela primeira vez.
Se você quer conhecer mais sobre a obra desse gênio que perdemos prematuramente, segue um top 3 músicas essencais de Jeff Buckley (para a autora deste artigo):
- Grace
- What Will You Say
- Dream Brother