Desde que o Coldplay anunciou a Music of The Spheres World Tour no Brasil, com mais e mais datas sendo confirmadas quase que diariamente – são 11 shows ao todo, além do Rock in Rio em 2022 -, muita gente dizia não entender como era possível uma banda esgotar tantos ingressos para uma quantidade recorde de apresentações em estádios.
Responder que isso acontece porque o show do Coldplay é mais que um show, e sim um espetáculo de luzes e efeitos seria a resposta mais simples, mas só depois de presenciar uma das apresentações da turnê é que conseguimos entender que vai muito além disso. E a gente tenta explicar aquilo que é quase inexplicável nesta resenha.
11 de março de 2023, a segunda noite de Coldplay em São Paulo
A turnê do Coldplay no Brasil seria no fim do ano passado, porém, por poblemas nas cordas vocais de Chris Martin, a banda adiou a série de shows para março de 2023, mês de muito calor e chuva no Brasil. Então, como esperado, foi chuva na abertura da turnê e no segundo dia, a mesma coisa.
Às 18h, duas horas depois da abertura dos portões do estádio, o Morumbi já se encontrava bem cheio e o público no dress code capa de chuva assistia às apresentações de Elana Dara e Chvrches.
Tanto Elana quanto os músicos da Chvrches demonstraram muita alegria por dividir o palco com uma banda tão grande como o Coldplay, e para Elana, representante nacional do evento, o show foi uma boa vitrine, tanto que ela ganhou presentes dos fãs da pista premium e sua última música continuou sendo cantada após o show pelos fãs da pista comum.
A chuva aumentava, mas isso não diminuia nem um pouco a animação do público, e a experiência da Music of the spheres Tour só ajuda a manter a energia das pessoas lá em cima, literalmente, já que a bateria do palco é carregada por pisos cinéticos ao redor, e os telões exibem a mensagem de que é preciso voluntários para carregar as baterias.
Então, uma música começa a tocar e acontece uma competição saudável entre os dois lados do palco pra ver quem tem mais energia.
Além das baterias recarregáveis, outras ações de sustentabilidade marcam a turnê. As pulseiras, por exemplo, são recicláveis e os fãs são incentivados a devolvê-las para bater a meta de país que mais recicla (inclusive, até o momento do segundo show, nossa rival no futebol, Argentina, estava ganhando).
E antes do show começar, é exibido um breve vídeo sobre as ONGs que serão beneficiadas pelas ações que os ingressos comprados para a turnê financiam: reflorestamento, preservação de espécies ameaçadas, leis ambientais etc.
Aqui no Musicult, inclusive, há um especial sobre a sustentabilidade da Music of The Spheres World Tour.
O show do Coldplay
Quando as luzes se acenderam, o símbolo da turnê apareceu no telão e gritos de ansiedade de todos os cantos do estádio eram ouvidos, então surgiu no telão um vídeo da banda no backstage se preparando para subir no palco e quando a Chris, Jonny, Guy e Will apareceram, “Higher Power” deu início ao setlist da noite.
Em uma sequência de tirar o fôlego dos milhares de fãs presentes no Morumbi, o set seguiu com “Paradise” e “The Scientist”, e Chris Martin, com todo seu carisma, aproveitou o momento para agradecer, em português, por todos terem ido até lá apesar da chuva, do trânsito e de todos os outros problemas.
Da parte da plateia, nem a chuva, nem o trânsito e nem todos os outros problemas pareciam ser importantes naquele momento.
Ao final de “The Scientist”, o som e as imagens do telão começam a ser rebobinados, criando ao vivo o efeito do videoclipe lançado em 2002. Enquanto isso, a banda foi para a ponta do palco para tocar “Viva la Vida”, seguida de “Something Just Like This”.
Aproveitando que estava ali na frente, Chris chamou para o palco Rafael, fã sortudo que foi ao Morumbi naquela noite e pôde tocar piano em “Gravity” junto da sua banda favorita e para milhões de pessoas.
E depois desse momento fofo entre fã e artista, o palco voltou a ser uma festa com “Charlie Brown”, uma das músicas mais coloridas da noite. E isso se dá graças aos telões imensos, o show de luzes e as pulseiras, que roubam a cena em muitos momentos, tanto que a gente, na plateia, fica sem saber se olha para a banda ou para o público ao redor.
Mas, em “Yellow”, Chris pediu que o público da pista olhasse para o público das arquibancadas, virando as costas para a banda, e todos cantassem juntos o refrão da música, fazendo com que cada pessoa, ali no estádio em meio a tantas outras, sentisse que as estrelas brilhavam apenas pra si.
As luzes amarelas se apagaram e em apenas 3 partes do público as pulseiras se acenderam, formando grandes corações nas arquibancadas, era o início de “(Human Heart)”, música que conta com a participação especial de Angel Moon, fantoche vocalista da banda The Weirdos, estrelas do videoclipe de “Biutyful”, sendo este o primeiro momento lúdico do show, que conta com um público diverso e, entre as pessoas, muitas crianças.
Com um dos públicos mais democráticos do rock, não poderia faltar “People of the pride”, hino da banda em prol da comunidade LGBTQIA+. Nesse momento, uma bandeira do arco-íris foi levantada por Chris Martin, que depois voltou ao piano para tocar “Clocks”.
Na sequência, a banda sumiu por alguns instantes e voltou com máscaras alienígenas. Chris, de máscara e cantando “Hymn for the weekend” em linguagem de sinais, usava uma camiseta com a frase “EVERYONE IS AN ALIEN SOMEWHERE”, e nessa vibe “interplanetária”, as faixas seguintes foram “My Universe”, parceria da banda com BTS e “Sky full of stars”.
Ao final, a banda caminhou para o outro lado do estádio para tocar “Don’t Panic” e, junto de Seu Jorge, a brasileira “Amiga da minha mulher”, com Chris se arriscando no refrão “Não pego, eu pego, não pego, eu pego, não pego não”.
O show se encerrou com “Fix you” e “Biutyful”, de novo com a participação de Angel Moon.
O que vai além do show?
Para fãs que esperam anos por uma tour de uma banda internacional, o simples fato dessa banda subir ao palco e tocar já é um acontecimento e tanto, e o Coldplay poderia fazer isso, mas eles vão além e transformam um show em algo ainda maior.
Além das ações de sustentabilidade pré e pós tour, os incentivos durante o evento fazem com que as pessoas pensem no seu próprio papel na luta ambiental enquanto se divertem, e essas pessoas incluem crianças, idosos, jovens, adolescentes, pessoas de diferentes sotaques, estilos, orientação sexual… enfim, pessoas unidas pela música e pelo espetáculo que é ver o show do Coldplay.
E esse público democrático de que tanto falamos nessa resenha é reflexo de uma banda que prova ser possível ter mais de 25 anos de carreira consolidados no rock e não viver de passado. As pulseiras que brilham durante os shows são uma inovação no gênero, mas talvez Chris Martin e companhia possam ter visto que o k-pop já usava os “lightsticks” (objetos luminosos que acendem conforme o decorrer dos shows) há anos e fazem do show uma experiência completa entre palco e plateia – vide as nossas resenhas dos shows de NCT 127 e Super Junior.
Se veio dos shows coreanos a inspiração para tantas luzes, não sabemos, mas a parceria da banda com o BTS levou jovens a ouvirem Coldplay, tanto que durante “My Universe”, a voz dos adultos foi abafada por gritos emocionados de crianças e adolescentes ao verem os integrantes do grupo no telão.
E se o assunto é romper barreiras musicais, a parceria com Seu Jorge ao vivo foi outro acerto, além disso, vale ressaltar que esse momento foi feito do outro lado do estádio, uma ação pequena, mas significativa para aqueles que estavam longe da vista principal e puderam ver a banda de pertinho mesmo que por apenas alguns minutos.
Pensando em todos os espaços do estádio e em todos os tipos de fã, e levantando as bandeiras da sustentabilidade e do respeito às diferenças, é que o Coldplay faz história por onde passa e não há quem assista a um show da banda e saia indiferente, afinal, um show pode sim ser mais do que isso e com certeza foi para todos que estavam ali no Morumbi naquela chuvosa noite de março.
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Agora, a banda segue com mais 4 shows em São Paulo, depois parte para Curitiba e encerra a turnê no Rio de Janeiro.
Esse texto descreve de uma maneira que faz com que a gente se sinta no show