Resenha por Guilherme Polonca
Tranquility Base Hotel & Casino (2018) foi um álbum polarizador para a carreira dos Arctic Monkeys. Lançado vários anos após seu antecessor AM (2013) e carregado de expectativas, o álbum entregou uma sonoridade muito diferente do que a banda havia fazendo desde o seu início. Por meio de letras contidas e cheia de arrependimentos, o eu-lírico de Alex Turner conta como largou tudo para ir morar na lua, acompanhado apenas de seu piano e das memórias de um passado ressentido.
Muita gente reprovou a sonoridade e a estética de Tranquility Base e, quatro anos depois, com o anúncio do álbum The Car, a dúvida pairava: a banda continuaria sua crônica sobre o peso e o passar dos anos ou retornaria à estética mais rock ‘n roll e otimista dos primeiros trabalhos?
Essa pergunta já é respondida logo na primeira faixa: “There’d Better Be A Mirrorball” soa como uma continuação direta de Tranquility Base. Alex Turner, autor de todas as faixas do álbum, parece querer esclarecer, de uma vez por todas, que sua banda não é mais aquela que tocava canções vibrantes como “Fluorescent Adolescent” e “I Bet You Look Good on the Dance Floor”.
The Car: um novo capítulo da mesma história
“There’d Better Be A Mirrorball”, que abre o álbum e também foi o primeiro single a ser lançado, prepara um cenário um pouco mais mundano do que aquele desenvolvido para o álbum anterior. A lua dá lugar ao planeta Terra, e a solidão constante do último disco é contrastada pela ambiguidade de uma companhia que, em vez de gerar prazer, gera tristeza, e até mesmo mais solidão. Trocam-se as metáforas, mas a temática e a sonoridade permanecem as mesmas.
O álbum continua com “I Ain’t Quite Where I Think I Am”, que esconde em seu instrumental mais vibrante uma letra que continua a tratar dos mesmos assuntos. O eu-lírico segue solitário, mesmo que esteja rodeado de pessoas.
O vídeo de “I Ain’t Quite…”, que é o terceiro single do álbum, é composto por luzes, cores, jogos de câmera e transições que evocam certa nostalgia de um passado distante e continuam a passar a sensação de se estar perdido no tempo. Independentemente de qualquer coisa que esteja acontecendo ao redor deste personagem, ele segue afundado em suas próprias percepções.
The Car também toma a liberdade de se posicionar como um álbum mais ácido e sarcástico que seus anteriores, como na canção “Sculptures of Anything Goes”, toda direcionada a uma persona que possivelmente representa a parcela de fãs que questionou e invalidou o trabalho anterior da banda. A letra não deixa explícita sua real intenção, mas evoca a todo o tempo a irritação de Alex com a má recepção da atual fase dos Arctic Monkeys.
A canção seguinte, “Jet Skis on the Moat”, complementa essa temática, utilizando sua letra para, sutilmente, perguntar aos fãs se eles têm algo a dizer sobre o novo álbum. Ao fundo, praticamente afirmando que a resposta não importa muito, a sonoridade das músicas segue a mesma.
As referências ao cinema, sempre muito presentes na escrita de Alex Turner, seguem relevantes em The Car. Por meio de alusões claras como a feita ao CinemaScope em “Jet Skis…” técnica clássica de projeção cinematográfica, ou através de cenas e elementos em clipes como o de “Body Paint”, o ponto de vista defendido pelo álbum permanece sendo construído quase que como um roteiro. Viciado em novelizar sua própria vida e glorificar seu passado, o eu-lírico vê seu cotidiano como se fosse um filme; e seu público como os espectadores que ele não tem mais certeza se aprecia.
Em sua segunda metade, o álbum segue viajando entre um passado glorificado pelas memórias de infância, como na faixa-título “The Car”, e em canções que soam quase como uma despedida, como “Big Ideas” e “Hello You”.
Algo em comum na atmosfera dos dois últimos trabalhos da banda é a sensação de que, juntos, os álbuns versam sobre finitude. Se estamos falando de uma finitude metafórica ou se há uma intenção mais factível, só o tempo dirá. Diante de tantas características cinematográficas, não seria exagero apostar em uma trilogia.
The Car é um álbum para aqueles que apreciam, aceitam ou no mínimo entendem que a versão dos Arctic Monkeys que existiu até 2013 não vai mais voltar. E o disco não é tímido ao construir este argumento. A capa do álbum é a ilustração perfeita das temáticas trazidas pelas 10 músicas que compõem The Car: por mais que a escrita tenha se despido dos elementos de sci-fi que preenchiam as metáforas do trabalho anterior, a sensação de ouvir o disco permanece a de estar sozinho com seus próprios pensamentos. Mas, dessa vez, em vez de estarmos abandonados na lua, estamos trancados em um carro.
Um dia depois do lançamento de The Car, o Arctic Monkeys divulgou no YouTube sua apresentação no Kings Theatre, em Nova York (onde foi gravado o videoclipe de “I Ain’t Quite..”). Será que esse é o set que veremos no Primavera Sound em São Paulo?