Resenha por Amanda Moura
“O rap é música popular brasileira sim!”. Essa foi uma das afirmações de Evandro Fióti durante o show que mais contagiou o Anhembi no primeiro dia do festival promovido pela maior rádio de MPB do Brasil, a Novabrasil FM. O rapper e seus parceiros do Laboratório Fantasma – Emicida, Rael e Drik Barbosa (contando ainda com as participações da banda Tuyo e a surpresa do ex-Katinguelê Salgadinho) –, comandaram uma apresentação potente e dinâmica.
Pode parecer redundante destacar a importância do rap para a música brasileira atual, mas basta uma breve busca para verificar que MPB e rap ainda são colocados como gêneros distintos, apesar do samba, por exemplo, já ter sido mais “aceito” dentro do gênero, cujas delineações são bastante controversas. Afinal, quão popular deve ser a música para ser MPB? Quão brasileira? O rap e o funk, historicamente apartados do gênero, são inegavelmente muito populares e muito brasileiros.
A divisão do setlist foi bastante democrática, com cada um dos integrantes do show evidenciando um pouco de seu repertório pessoal. Além disso, a apresentação se destacou por homenagens a artistas negros e suas contribuições para a MPB, como Wilson Simonal e Cassiano – Evandro Fióti, inclusive, emocionou-se ao cantar a música “Coleção”, do compositor.
Encontros de gerações no Festival Novabrasil
Com garoa e um céu cinza, o início do primeiro dia do Festival Novabrasil foi marcado por uma tarde classicamente paulistana. Nos dias 15 e 16 de outubro, no Sambódromo do Anhembi, o evento, que acontece desde 2010, mas vinha de um hiato de dois anos por conta da pandemia, uniu gerações no palco e na plateia.
À tarde, mães e filhas sambavam ao ritmo de Jorge Aragão; pouco depois, derramavam-se em emoções ao cantarem canções nostálgicas de Adriana Calcanhoto, como “Devolva-me” e “Metade”.
Organizado pela rádio Novabrasil FM e com o clima de nostalgia defendido inclusive pelo slogan do festival (“Chega de saudade”), foi inteligente da parte da organização a inclusão de artistas jovens não só em shows inteiros, como também em participações muito bem-vindas. Zeca Baleiro, por exemplo, com um repertório sem grandes modificações há um tempo, dividiu palco, durante algumas músicas, com a revelação da música natalense Juliana Linhares, que trouxe frescor à apresentação. Vanessa da Mata, já conhecida do público há anos, dividiu palco com Marina Sena, sucesso musical da era dos hits do TikTok e já “queridinha” de muitos, estando em praticamente todos os festivais do ano.
A banda Bala Desejo também foi um coringa na representação do “velho/novo” endossado pelo festival. Com suas claras referências à cultura hippie e aos anos 70, os jovens mostraram toda a sua vivacidade ao tentar driblar a “frieza” de serem a primeira apresentação do evento. Muitos ali presentes conheciam pouco do grupo, mas a participação de Duda Beat em grande parte do show ajudou a manter a energia da atração.
No sábado, as atrações foram:
- Gilsons, com participação de Liniker
- Jorge Aragão
- Adriana Calcanhoto, com participação de Rubel
- Zeca Baleiro, com Juliana Linhares e Vinicius Cantuária
- Baby do Brasil e Pepeu Gomes
- Lab. Fantasma (Emicida, Rael, Drik Barbosa e Evandro Fioti), com participação de Tuyo
Já no domingo, apresentaram-se:
- Bala Desejo, com participação de Duda Beat
- Vanessa da Mata, com participação de Marina Sena
- Diogo Nogueira, participação de Criolo
- Elba Ramalho
- Frejat
- Nando Reis
Política foi um tema central no Festival
Às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, os discursos e as manifestações políticas, inevitavelmente, estiveram muito presentes no festival, tanto por parte do público quanto dos artistas. Criolo e Diogo Nogueira enfatizaram seus posicionamentos em sua apresentação e no catártico verso “Meninos mimados não podem reger a nação”, da canção “Menino mimado”, de Criolo.
Já o pessoal do Lab. Fantasma trouxe, logo no início do seu show, a música “Apesar de você”, de Chico Buarque, enquanto o telão mostrava uma bandeira do Brasil preta e branca que dizia “VOTE CONSCIENTE”.
A exaltação à democracia e à escolha de voto em Lula esteve presente na maior parte do festival. O “ponto fora da curva” mais evidente – e levemente constrangedor – ocorreu no show de Elba Ramalho. A cantora recentemente interrompeu gritos de “Fora Bolsonaro” em um de seus shows e demonstrou posicionamentos durante a pandemia que alinhavam-se com discursos anti-ciência. Em seu show no festival Novabrasil, a plateia puxou, algumas vezes, gritos de exaltação a Lula, enquanto ela tentava cada vez mais manter-se no roteiro do show, ignorando os protestos e fazendo poucas pausas entre as músicas, com interações que não passaram do protocolar.
O velho problema da acústica do Anhembi
Entre os frequentadores de shows e festivais em São Paulo, há a conhecida “fama” de o Anhembi não ser o melhor local para shows, principalmente em termos de acústica. No festival Novabrasil, a acústica não se mostrou um problema para quem estava na pista (o evento ocupou a extensão do setor B – passarela e arquibancadas). Porém, nos shows mais intimistas, como o de Adriana Calcanhoto, a experiência já foi um pouco prejudicada para quem estava na arquibancada superior.
Outra reclamação recorrente entre os participantes foi a questão de não ser possível ouvir praticamente nada dos shows quando se estava na área de banheiros e alimentação, que ficou abaixo da arquibancada. A “sorte”, nesse caso, foi o fato dos shows terem sido pontuais, assim, os fãs podiam cronometrar suas pausas e voltar para seus setores a tempo.
Ao público assíduo de festivais (e não vamos esquecer que o Primavera Sound será sediado lá em breve), resta a “loteria” de saber como será a organização do próximo.