Resenha por Letícia Pataquine e Fernando Oliveira
No último fim de semana, nos dias 8 e 9 de outubro, a cervejaria Cevada Pura foi palco da 6ª edição do Locomotiva Festival, evento queridinho de Piracicaba, que voltou a ser presencial em 2022, depois da edição virtual em 2021.
Durante os dois dias de festival, o Locomotiva recebeu muita música boa, público tranquilo, discursos importantes sobre o momento político atual e muita representatividade.
Com 12 atrações, o line do Locomotiva provou que é possível sim fazer um festival que inclua muitos nomes femininos, fugindo do padrão da maioria dos festivais de música que aconteceram em 2022, alguns com apenas uma ou nenhuma presença feminina.
No Locomotiva, foi difícil não ver mulheres no palco e isso foi um dos pontos mais incríveis do festival, que, aliás, só teve ponto positivo.
8 de outubro: primeiro dia de Locomotiva Festival
A abertura do festival já trouxe uma mina no palco: Julia Campacci, que ao lado de João Pedro Matos, William Baldine e Ricardo Bombem formam a Chão de Taco, revelação do rock triste de Piracicaba, que vem chamando muita atenção na cena.
A Chão de Taco fez um lindo show, tocando músicas do seu EP de estreia, alguns sons novos e as já adoradas dos fãs, como “Pode dar certo” e “PQVNSMN”. O set fechou com “Adiante”, último lançamento da banda nas plataformas, deixando no público um gostinho de “quero mais”, ansioso pelos próximos lançamentos.
Logo depois, foi a vez de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, e Sophia, desde a primeira música, expôs um discurso forte sobre a situação do país e o quanto o voto das pessoas era primordial para a manutenção da cultura, música e festivais como o Locomotiva. Isso tudo usando uma camiseta com a frase “Lula lá, Haddad aqui” e avisando que eles estavam com adesivos dos candidatos e quem quisesse era só pedir. “Tá com Lula, é meu amigo”, disse a vocalista.
A banda fez um dos shows mais aclamados do dia, tocando seu álbum de estreia na íntegra além de outros singles, com destaque para os hits “Pop Cabecinha”, “Deus Lindo” (momento em que o baterista Theo Ceccato inverte o papel com o guitarrista Vicente Tassar e divide os vocais com Sophia), “Debaixo do Pano” e “Delícia/Luxúria”, que fechou o show divertídissimo da banda. Daqueles shows que quando acabam a gente já quer de novo.
Entre um show e outro, o festival contou com a apresentação dos hosts Fraclove e Jovem Beto e discotecagem do DJ Crypton. E o público podia consumir não só as cervejas artesanais fabricadas no local do show, como pizzas, sorvetes e cafés de marcas de Piracicaba, além de dar uma olhada no merch das bandas.
Voltando para o palco, a terceira atração foi a Pluma, outra boa revelação da música alternativa, cujo som casou totalmente com o clima do festival e o horário do show, próximo do pôr do sol.
O som da banda, desculpem pelo trocadilho, é “leve como uma pluma” e muito agradável de se ouvir, sem ser um show morno, muito pelo contrário. A vocalista Marina Reis tem muita presença de palco e encanta com a voz delicada, que não só cantou os hits da banda, como “Mais do que eu sei falar”, “Leve” e “Atrasado, passado”, como um cover de “Sina” do Djavan, que empolgou todo mundo. Afinal, quem não ama essa música, especialmente num fim de tarde, né?
Marina terminou o show avisando que o show da Pluma ainda é curto, mas que eles estão preparando mais músicas.
E se o clima de fim de tarde foi perfeito pra Pluma, nada melhor do que ouvir um shoegaze ao anoitecer.
Os cariocas do gorduratrans, banda que lançou um dos melhores álbuns de rock de 2022, o zera, tem um videoclipe gravado em Piracicaba justamente para um single desse álbum (“enterro dos ossos”), mas, até então, nunca tinham se apresentado na cidade.
Com a emoção de quem faz algo pela primeira vez, gorduratrans emocionou todo mundo com suas músicas que falam desde relacionamentos amorosos a memórias do passado e até futebol, tocando várias músicas do álbum novo, mas encerrando o show com os seus maiores hits: “Você não sabe quantas horas eu passei olhando pra você” e “VNVQND”, do álbum Repertório Infidável de Dolorosas Piadas. O duo, que conta com músicos de apoio, reforçou o discurso político do festival e ressaltou a necessidade de não deixar o “pânico moral” vencer as eleições.
Chegando ao fim do primeiro dia, o espaço do Cevada Pura estava praticamente lotado de pessoas usando camisetas com a estampa “Pizza Unlikely”. Ou seja, esperando por Far From Alaska.
Falar sobre o show do Far From Alaska não é nada fácil, especialmente o show do dia 8 de outubro de 2022. Pra quem não sabe, dia 8 de outubro é dia do nordestino, e a banda é do Rio Grande do Norte, e, nesse ano, a região nordeste foi alvo, de novo, de ataques extremamente xenofóbicos por conta da eleição.
Além de ser emblemático ver um grupo nordestino do tamanho e da intensidade que é a Far From Alaska neste momento, a banda ainda traz duas vocalistas que roubam a atenção de todo mundo, pela voz carisma sem iguais.
Emily, que é uma força no palco, interagiu bastante com o público. Fez todo mundo cantar parabéns para Cris Botarelli, que fazia aniversário naquele dia, emendou um “tem cabaré essa noite” entre uma música e outra, e se jogou do início ao fim. Inclusive, no fim do show, ao som de “Cobra” Emily e Cris desceram do palco e formaram uma roda gigantesca no festival.
O set incluiu todos as músicas que os fãs queriam, e a banda contou com a participação de Raphael Miranda, baterista do Ego Kill Talent, que vive hoje numa parceria com a Far From Alaska, já que Emily é a atual vocalista da banda.
Pra encerrar um dia tão politizado e pegando carona na energia calorosa do show da Far From Alaska, vem o fenônomo Black Pantera, banda que tem 9 anos de estrada e agora está ganhando cada vez mais atenção da mídia, sendo headliner do Locomotiva e atração do Rock in Rio 2022 e do Lollapalooza 2023.
Começando com “Antivida”, a banda tocou diversos sons do novo álbum, Ascenção, e aproveitou para falar sobre a capa, que explicita o próposito da banda de lutar pela representatividade negra. Aliás, discursos politizados e representativos estão presentes em todo o show, não só nas pausas como nas letras da banda também, principalmente as emblemáticas “Fogo nos Racistas” e “Padrão é o Caralho”.
O show, que trouxe até uma versão punk de “A Carne”, clássico de Elza Soares, foi muito enérgico, criou rodas punk do início ao fim, com o vocalista participando de uma delas e o peso do Black Pantera fez até alguns vizinhos do Cevada Pura saírem nas varandas dos prédios e dançarem um pouquinho lá em cima.
Dia 9 de outubro: segundo dia de Locomotiva Festival
Mais ansiosos do que cansados, voltamos para o Cevada Pura no domingo e, às 14h, Bahsi, artista piracicabano de indie rock inaugurou o palco do segundo dia de festival.
O show do Bahsi contou com um bom público, inclusive, muitos que já conheciam o cantor. Prestes a lançar seu primeiro álbum, que está previsto para novembro, Bahsi alternou entre sons que estarão no disco e singles já lançados e conhecidos do público, como “Let You Go” e “Small Talk”, seu mais recente lançamento.
Bahsi impressionou até aqueles que não o conheciam e, mesmo sofrendo problemas técnicos, com a ausência do notebook que soltaria as trilhas pré gravadas da banda (por conta do calor excessivo do dia) o som estava super preenchido e com uma qualidade excelente, colocando todo mundo pra dançar e admirar o mascote do artista: o ET Geraldinho.
O segundo show da tarde foi Magüerbes. E o que falar desse show? Talvez uma boa definição do show do Magüerbes é que esse show é daqueles que todo mundo deveria ir pelo menos uma vez na vida, porque é uma experiência que só essa banda consegue proporcionar. É caótico? Demais! Mas é sempre maravilhoso ver Haroldo andar por todos os espaços possíveis do evento e dividir o microfone com todo mundo que saiba cantar as letras. Uma foto não daria conta de explicar, então dê play no vídeo e sinta um pouco da energia Magüerbes.
Um detalhe foi que o show marcado para as 15h30 “começou” meia hora mais cedo. Entre aspas, porque foi meia hora em que Haroldo interagiu mais ainda com o público, falando sobre a influência de Milionário e José Rico para os músicos de Americana, cidade do Magüerbes, e reforçando a mensagem de fazer o que se quer e de que o futuro é agora.
No meio da tarde rolou uma super chuva e o show da Odradek, e esse foi o terceiro show da banda que cobrimos por aqui (o primeiro foi no Balaclava Fest e o segundo foi abrindo o show do Delta Sleep no Brasil).
A banda de math rock de Piracicaba, em sua cidade natal não podia deixar de brilhar, e com seu som extremamente técnico fez o público se apertar em frente ao palco, em meio a chuva, para acompanhar o show da banda.
E não teve chuva ou problema técnico, ou ausência de mesa de som que fizesse o show do Odradek perder a qualidade. Ao som de “Irene noir”, “nakamura” e “nó”, a Odradek cravou seu show como uma das melhores apresentações do Locomotiva.
Antes da última banda do festival, duas mulheres em shows solos embalaram o fim do dia. A primeira, Bebé Salvego, tem uma das vozes mais doces da música atual, o que contrasta com a presença imponente da cantora, que surgiu com uma estrela vermelha no peito e cantou várias músicas de seu álbum homônimo.
A artista passeou entre o R&B, o slam e o hip hop no único show do festival a não usar guitarra, apenas baixo, bateria e sintetizadores, e Bebé, que fazia sua estreia solo no festival, depois de ter se apresentado anos atrás com a banda Bamba EFX, terminou afirmando que o Locomotiva é o único festival a apoiar de fato os músicos independentes. Não tá errada.
A segunda atração feminina foi Jadsa, cujo show pode ser resumido em uma palavra: hipnotizante. Com uma voz potente, a cantora baiana toca guitarra, usa dois microfones para fazer efeitos diversos com a voz e demonstrou uma felicidade contagiante ao subir no palco do Locomotiva, depois de ter participado da edição online de 2021.
Visivelmente emocionada, Jadsa não cansou de agradecer sua banda e sua equipe, mostrou toda sua força ao cantar “Selva”, uma das faixas de seu último álbum, Olho de Vidro, e terminou colocando todo mundo pra cantar o refrão de “Já Ri”.
E a missão de encerrar um festival tão bom assim ficou com o menores atos, que souberam fazer isso muito bem, começando com “Passional” e terminando com “Sereno” em um set que percorreu os já conhecidos clássicos da banda além das faixas novas “Aquário” e “Breu”, do último EP, Lúmen.
Cyro seguiu o traje “Lula 2022” de muitos outros artistas do festival e chamou o público pra cantar junto em um show emocional que, apesar de ter sido reduzido por conta do horário e da lei do silêncio, não deixou de ser eterno pra quem pôde estar lá.
Se dependesse da gente, o Locomotiva estava rolando até agora! E você, foi ao Locomotiva? Já está com a roupa de ir pro ano que vem? A gente sim!
1 thought on “Locomotiva Festival retorna com boa música, representatividade e discursos políticos”