De Porto Alegre e formada por Arthur Valandro, André Garbini, Bernard Simon, Gabriel Burin e Ricardo De Carli nasce a recreio, que lança hoje (02) seu álbum de estreia, Tiranos Melancólicos, distribuído pela SoundOn.
Para alguns, os nomes dos integrantes podem soar familiares. A recreio nasce da Soundlights, que chegou a lançar o EP Sons que vêm do Sítio, pela Lezma Records, e circulou por grande parte do sul e sudeste do país com apresentações ao vivo.
E pode-se dizer que o quinteto surgiu de uma forma natural, ainda antes do início do isolamento social, pois Arthur já havia se aventurado em um processo para criação das faixas do trabalho que viria a ser de estreia do grupo.
A substituição de softwares de gravação e edição de áudio por composições no formato voz e violão, levou as músicas para um campo até então não muito explorado pelo projeto inicial. Tais arranjos foram executados em reuniões semanais com Bernard e Ricardo, que assumiram, a partir deste momento, a produção da obra.
“Estudamos especialmente as letras, melodias e harmonias – nossa ideia era que, se as músicas funcionassem neste formato de voz e violão, a partir daí se poderia assumir diversos caminhos de arranjo com alguma segurança de que no final, as canções ainda teriam uma contundência. Adotamos esta ideia pensando em uma engenharia reversa – gostaríamos de fazer um disco em que as pessoas pudessem aprender a tocar o repertório no violão com uma certa facilidade”, recorda Ricardo.
A chegada da pandemia poderia ter sido um percalço na carreira da banda recém-formada, mas acabou levando a banda a encarar o projeto com um novo olhar: “Era março de 2020, estávamos com o pé na porta para adentrar uma imersão musical e, então, chegou a pandemia. Passamos a nos reunir diariamente pelo Discord. Nem sempre falávamos do trabalho, muitas vezes o encontro era resumido a uma troca afetiva, a um diário de bordo do dia-a-dia do isolamento. Sentimos que para nós essa adequação demandou uma dinâmica de conversa e escuta que passou a respeitar muito o tempo de fala de cada pessoa – temos certeza que isso nos fez músicos melhores, e definitivamente afetou a elaboração dos arranjos“, revela Ricardo.
Os Tiranos Melancólicos
O título do álbum, Tiranos Melancólicos, foi inspirado no pássaro suiriri, que inicia o processo migratório alçando voo a partir do Rio Grande Valley of Texas (EUA) e percorre os céus das Américas até chegar nos campos do Rio Grande do Sul (Brasil). Folclores locais associam sua chegada à finalização de seu ciclo de vida. O pássaro que percorre as Américas, de Rio Grande a Rio Grande, ganha o nome científico de Tyrannus melancholicus.
Tal narrativa ilustra os temas abordados no disco: os danos culturais e ambientais da globalização desenfreada e a identificação do ser humano que, não aceitando a melancolia que lhe pertence, passa a ser um tirano.
A faixa Sofrê abre o disco com sutileza, trilhando um caminho crescente que leva o ouvinte em uma jornada que vai da calmaria até a compreensão de que a obra se trata de um álbum de rock.
A música conta com participação da música Carina Levitan, que além de cantar um verso, trouxe captações reais de pássaros.
Em Fumaça Pura, segunda faixa do disco, as referências vão desde grandes clássicos como Rolling Stones, The Police a projetos dos anos 2000 como Melody’s Echo Chamber, MGMT e da cena britpop.
Depois da profunda letra e a melodia leve de Argila, que manifesta acidez para chamar atenção à recusa da humanidade em ser manipulada em troca da entrega de seus valores e ideais, vem Passarinho, cuja letra é baseada na rota migratória de um suiriri refletindo sobre sua vida amorosa. Sobre a faixa, Ricardo comenta: “Essa música é um xodó da banda e de amigos próximos que vem ouvindo nossas demos. Tem um apelo melódico bem pop, me remete muito à Rita Lee, Mutantes, Velvet Underground, Wilco. O verso e refrão acontecem apenas uma vez, depois mais da metade da música é só a banda tocando, num fluxo sem muita variação de dinâmica, como dirigir numa estrada em velocidade de cruzeiro”.
Mais MPB, e com um esquema de registro diferente de todas as outras faixas, vem Dias Adentro: “Gravamos todos os instrumentos, um a um, num gravador Tascam cassette de 4 canais. Esse dispositivo nos impôs uma série de limitações, nos colocou a pensar o arranjo de forma diferente, atentos a outros detalhes, e também marcou a sonoridade, conferindo um tom aveludado que parece abraçar a canção. Lembramos do Devendra Banhart”, revela Ricardo.
Empatia foi o single responsável por apresentar o novo disco ao mundo, nos remetendo bastante ao indie rock dos anos 2000, especialmente os criativos MGMT. O videoclipe tem uma estética retrô e mostra a banda em uma performance corporal, sem instrumentos.
Sem Conta ou Risco fala sobre relacionamentos duradouros e suas crises, e traz a participação de Debora Salvi e Ettore Sanfelice tocando flautas.
Um ambiente de experimentação marcou o registro de Não Vai Parar No Fundo. “Para a gravação, estabelecemos uma microfonação que apontava para diversos locais da sala – teto, quina, churrasqueira, vaso, corredor. Mantivemos a monitoração aberta, com o som transbordando entre os microfones. Arthur cantou e tocou guitarra enquanto Bernard e Ricardo manipularam em tempo real a voz de Arthur, criando esse diálogo interpretativo entre efeito e canção”, recorda a banda.
Envolta em uma estética sonora que se conecta com os clássicos do rock anos 70 e 80, Triste Bem-Te-Vi segue o conceito da história da jornada de vida do Tirano e também incluiu experimentações sonoras na gravação: “Para nós, é o momento que o tirano está na iminência de virar o Tirano. Uma tensão narrativa do disco chega ao ápice nos refrões (Arthur gravou sem voz, parcialmente recuperado de uma forte gripe), e começa a ser despressurizada no “outro” da música, quando a harmonia modula e os instrumentos festejam uma despedida“, aponta Ricardo.
E seguindo a melancolia de Triste Bem-Te-Vi, o disco se encerra com Me Fez Saltitar, que começa leve até terminar com uma explosão sonora e emocionante: “Outro som que gravamos por inteiro ao vivo, com a decisão de gravar à noite, fim do dia, com o cansaço a nosso favor. A imagem aqui é de leveza (…) repete progressivamente de um canto leve até chegar aos berros: tu me fez acreditar em mim”, finaliza Arthur.
No geral, é um disco de rock alternativo que flerta com a moderna MPB e agrada a quem gosta de músicas inovadoras, criativas e com letras profundas, que nos fazem questionar relações, natureza e o mundo ao nosso redor.
Show de lançamento
Para celebrar o nascimento do álbum, o grupo vai realizar um show em um dos principais espaços para música independente em Porto Alegre, a casa Agulha.
O power-trio instrumental Cardamomo foi o projeto convidado para dividir o palco na noite de estreia, que acontece dia 8 de setembro, a partir das 21h e os ingressos podem ser adquiridos aqui.
Ouça o álbum completo na sua plataforma de streaming favorita e siga a recreio no Instagram.