O ano era 2005 e eu assistia a um músico cantar sobre o cotidiano de um casal feliz na MTV. Eu gostei tanto que liguei – isso mesmo, jovens, a gente telefonava para emissoras de TV – pra pedir por aquele videoclipe mais vezes na programação. E o vídeo chegou a alcançar o topo dos mais pedidos várias vezes, sendo, inclusive, recordista no número de semanas em que um videoclipe nacional ficou no top 20 da emissora.
O músico no caso era o carioca Jay Vaquer, e tempos depois ele se tornaria o primeiro artista que eu veria ao vivo, na extinta casa de shows Tom Jazz em São Paulo.
Quase 20 anos depois, Jay coleciona trabalhos na música, com 7 discos gravados, um DVD ao vivo, um álbum de versões e remixes, trabalhos musicais com diferentes artistas – de Cine a Maria Gadu, passando por Megh Stock – música em trilha sonora de novela… e ainda mostra ter muito fôlego e vontade de seguir fazendo arte, apesar das dificuldades que todo artista independente encontra pelo caminho.
O amor visível que coloca em seus projetos é uma das coisas que faz com que um grande grupo de fãs, carinhosamente apelidados de “mundiça”, continuem acompanhando o trabalho do cantor desde aquela época ou de datas mais recentes, já que Jay nunca parou e continua aumentando seu público.
Hoje, Jay voltou a dividir seu amor e seu tempo na música com outro trabalho: o teatro e o cinema, e foi durante o intervalo dos ensaios da peça “Poema” que conversei com Jay sobre sua carreira, os projetos atuais e os planos de shows e lives que virão. Confira!
Jay, como eu te contei, o primeiro show que vi na vida foi o seu. E qual o primeiro show que você foi? Você se lembra?
Provavelmente algo dos meus pais, mesmo (Jay é filho da cantora Jane Duboc e do guitarrista Jay Anthony Vaquer). Não sei dizer, mas minha primeira infância foi nos Estados Unidos, então pode ter sido algo lá, como Stevie Wonder, Peter Gabriel… Provavelmente isso, mas não sei dizer com certeza. Eu cresci no meio da música, então minhas primeiras memórias são dos palcos e shows.
E o primeiro show que você fez na sua vida?
Ah, eu fui backing vocal da minha mãe por um tempo, então comecei ali.
Ainda sobre essa coisa de primeiros shows, tem muita gente que começa na música quando vai em um show marcante, ouve alguma banda… No seu caso, você cresceu na música, mas em um certo momento, se distanciou e cursou Publicidade. Por que aconteceu esse distanciamento e quando você percebeu que deveria voltar pra música?
Foi um momento de insegurança mesmo, então, eu fui fazer Publicidade, porque eu pensava “sei lá, não sei essa parada de música é pra mim”, rs., só que eu nunca parei de gravar jingles, né? Mesmo nesse período eu ganhava um dinheirinho com jingles, então, no meio do curso, não sei falar precisamente, mas ali pelo quarto semestre da faculdade, eu já voltei pra música, montei minha banda e decidi resolver uma questão que eu tinha que era uma timidez muito exagerada.
Acho que isso também justifica um pouco meu afastamento, já que eu não tinha um preparo, não sabia me comunicar com a plateia, não me sentia seguro… aí fui fazer teatro e ali descobri uma outra paixão, mas foi durante o curso mesmo, então lembro que me formei meio “empurrando com a barriga”, porque eu já estava completamente voltado para arte, tanto o teatro quanto a banda já consumiam mais o meu tempo e vem tomando conta dele desde então.
Sobre seus shows, depois do primeiro eu fui em outros e me lembro de ir em uma apresentação sua no SESI A.E. Carvalho, bairro da zona leste de São Paulo. Eu trabalhava na zona sul na época, então foi uma longa viagem até lá (rs.), e eu nunca mais vi shows nesse teatro. Lá não tem nada de maluco, mas achei um lugar diferente demais pra alguém do Rio de Janeiro se apresentar em São Paulo, rs. Pensando nisso, qual o lugar mais diferente que você já tocou?
Ah, eu toquei em muito lugar maluco, mas nos anos 90 os bingos eram liberados, e uma vez eu toquei em um bingo com uma banda… e é muito doido, porque, em um lugar desses, ninguém está nem aí pro show, né… você está tocando e as pessoas só estão querendo jogar…
Mas isso foi solo ou era outro projeto?
Outro, eu era guitarrista de uma banda… Mas, me lembro que anos depois, já na minha carreira solo, eu toquei com a Lissa, do Rouge, e o Bukassa Kabengele, ator e cantor, em uma apresentação no salão do automóvel, para uma marca de carros… Era um trabalho maluco, tocando músicas pop, como Black Eyed Peas, mas alterando as letras pra falar da marca… Bem chato, rs., mas com o dinheiro que ganhei ali, pude investir no meu novo álbum, então valeu a pena, rs.
E o sucesso na MTV? Como você começou a ganhar espaço na TV naquela época?
Eu já fazia shows na noite de São Paulo, de quarta a domingo há muito tempo e aquilo era uma fórmula que dava certo financeiramente, mas que não ia muito além daquilo. Então, eu comecei a sentir necessidade de registrar as minhas músicas, aí juntei uma grana e gravei o Nem Tão São (2000), mas ele não encontrou espaço nas gravadoras naquele momento, fiquei triste pra caramba com aquilo, mas surgiu o convite pro Cazas de Cazuza [musical sobre Cazuza que estreou nos teatros no início de 2000), e quando acabou o espetáculo, eu lancei o Nem Tão São, que já estava gravado, mas nada acontecia. Isso porque eu não tinha uma banda pra fazer show, e tudo ficava mais caro, não tinha público… aí eu tive esse insight: “poxa, mas e um clipe? Como é que se faz um clipe?” Fui atrás, descobri, vendi meu carro, gravei um clipe, deu muito certo com “A Miragem”, aí fiz outro e fiz outro…
E tem algum videoclipe que você gosta mais por alguma razão?
Todos eles foram muito bem-sucedidos, né? Então eu não tenho um preferido. Cada um tem uma importância, cada um tem uma vitória, uma história que eu queria contar daquela forma e todos foram feitos com o mesmo carinho e o mesmo amor.
E você tem visto uma renovação do seu público mesmo depois do fim da MTV? O que acha que atrai as pessoas pro seu trabalho?
Ah sim, muita gente ainda aparece porque me achou no streaming ou por indicações de fãs do meu trabalho, e eu vejo muitas famílias também, em que os pais ouvem minhas músicas, aí os filhos começam a ouvir também… isso é muito gratificante.
Sobre bandas que fizeram muito sucesso naquela época da MTV, você já gravou com o Cine, e recentemente, vi nos seus stories que você está planejando uma parceria com o Lucas, da Fresno. Você tem influências do emocore no seu trabalho?
Eu conheço o gênero, lembro de falarem muito sobre aquela galera de franja, rs., músicas mais tristes, mas eu nunca me aprofundei, pra falar a verdade… A parceria com o Cine surgiu porque o Pedro Dash, que era tecladista da banda e hoje é um excelente produtor, me ligou e falou que tinha uma música e queria que eu participasse. Ele meio que disse “olha, temos essa batida aqui, essa letra, essa é sua parte, você pode cantar o que você quiser” e eu fiz do jeito que eu queria.
E na época eu aceitei, e achei legal fazer isso, porque mostrou que eu não era um artista limitado, que eu podia transitar por outros estilos musicais… e isso serve pra outros artistas, é possível você colocar sua identidade em qualquer gênero musical sem se se limitar.
E sobre a parceria com o Lucas, você pode dar spoilers?
O Lucas trabalhou em “Poema”, ele participou da trilha sonora da série, fez arranjo pra dois números da trilha…Então, com ele é natural que role alguma parceria futuramente, porque estamos sempre conversando.
Ele é um cara muito bacana e talentoso e, apesar dele mesmo se intitular emo, acredito que musicalmente ele transcende rótulos. Então, quando eu estiver em São Paulo e a gente se encontrar, podemos fazer algum trabalho juntos. Não tem nada concreto ainda, mas ele é um parceiro, brinco que ele é o primo rico e eu sou o primo pobre rs.
E já que estamos falando de emo, você vai tocar no Hangar 110 em agosto,…
O reduto dos emos, né? rs.
Sim! E essa será a primeira vez q você toca lá? Já viu algum show na casa? O que os fãs podem esperar desse show?
Eu conheço o Hangar, sei da história, mas nunca tive a oportunidade de ver nenhum show na casa. Sobre o show, provavelmente vai ser mais porradaria, mas não tem nada muito diferente do que normalmente é… Eu nunca me preocupo muito com o setlist, o que me preocupa mais sempre é bilheteria, saber se vai fechar a conta de público… Por exemplo, o show do Rival foi em um fim de semana pós-feriado, então muita gente foi viajar, e aí eu fiquei naquela apreensão se ia ter público suficiente, mas quanto ao show sempre sou eu fazendo o que faço.
Atualmente, você está trabalhando na produção da peça “Poema” e, como você comentou quando falou do Lucas, a peça será adaptada pra uma série, né? Como está o andamento e como a gente vai conseguir assistir ao Jay fora dos palcos?
A série “Poema” está em fase de finalização, tanto na parte de áudio, quanto na parte de imagem, toda a pós, correção de cor, rotoscopia, toda mixagem de áudio, e o Carlão, que é o dono da produtora, está negociando com os players pra ver qual a melhor oferta que temos pra colocar a série no streaming.
E mesmo na correria das produções, você tem alguma previsão de um novo álbum? Ou agora, na era dos streamings, você pensa mais em singles?
Não, eu não penso em lançar singles, penso sempre em álbuns. Pra mim é uma história com começo, meio e fim, um conceito com uma estética… Eu amarro tudo isso e lanço em uma coisa só. Quanto à previsão, ano que vem.
Você fez o show no Rival no último fim de semana, tem o show em São Paulo em agosto e, nesse meio tempo, vai fazer uma live exclusiva para pagantes… Como vai funcionar essa live? Vai ser algo que você vai fazer recorrentemente?
Foi uma forma que encontrei de não deixar meu trabalho nos palcos tão negligenciado, já que estou trabalhando mais na peça e é difícil conciliar viagens e o trabalho no teatro. Na pandemia eu já tinha feito vários shows online, e foram bem interessantes, no palco do Rival. Cheguei a tocar a minha discografia completa nesses shows.
Agora será praticamente no mesmo formato: eu, com os músicos tocando… Vai ser algo mais interativo, provavelmente com um set que as pessoas pedirem durante a transmissão, mas se vai ser algo que vou fazer sempre, isso vai depender da adesão do público também, assim como qualquer show.
A gente falou das parcerias musicais que você fez e pretende fazer, mas se você pudesse gravar com algum artista que te inspirou muito, quem seria?
Queria gravar com Chico Buarque e Caetano Veloso, sem dúvida, porque foram os artistas que mais me inspiraram no começo e continuam me inspirando até hoje.
Sendo um artista que teve pouco apoio da mídia desde sempre e continua criando muita coisa, na música e no teatro, e aumentando seu público, qual mensagem você passa pra quem está começando agora na música ou na arte em geral?
Ah, eu acho que tudo aquilo que você faz com prazer vai te trazer coisas boas. Eu passo muito perrengue, é muito difícil não ter gravadora, fechar show, e eu penso que eu poderia fazer outra coisa, que me traria mais dinheiro e menos perrengue, mas eu seria feliz? Eu não faria com paixão… então, seja lá o que você for fazer, faça o que te dá paixão, porque em tudo vai ter perrengue, então que seja um perrengue bom, que te faça feliz.
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Lembrando que se você é de São Paulo, dia 6 de agosto, Jay se apresenta no Hangar 110 e os ingressos podem ser comprados aqui.
Já pra quem prefere ver a live, as instruções se encontram no link da bio do Instagram do Jay!
Bela entrevista com um cara ímpar, já fui em shows do Jay, qualidade total em tudo, baita artista