Falar de Ratos de Porão é falar sobre o maior nome do punk rock brasileiro. A banda é quase uma entidade do rock nacional, tanto que em 2021 completou 40 anos de carreira e entrou em estúdio para gravar seu primeiro álbum novo em 7 anos.
E de 2014, ano do disco “Século Sinistro”, a 2021, muita coisa mudou no Brasil. E não foi pra melhor, especialmente de 2018 em diante, com o aumento da inflação, as ameaças constantes de golpe militar e o retorno do país ao mapa da fome mundial. Para completar, a pandemia de Covid-19 expôs não apenas o descaso do atual governo com a população, mas o grande abismo sociopolítico no qual caímos.
E é nesse contexto de caos que surgiu Necropolítica, novo álbum do Ratos de Porão, lançado na última sexta-feira, 13, que busca inspiração em discos passados para falar de problemas (nem tão) recentes.
Revisitando o passado no som, atualizando os problemas sociais nas letras
Em mais de 40 anos de carreira, o Ratos de Porão manteve sua essência durante diversas fases, e entre o fim da década de 80 e começo da 90 surgiu a fórmula que, para muita gente, definiu a identidade da banda mais do que todas as experimentações sonoras que o Ratos já fez.
É a chamada trilogia crossover, formada pelos discos Cada Dia Mais Sujo e Agressivo (1987), Brasil (1989) e Anarkophobia (1990), que misturam a sonoridade thrash metal e hardcore com letras que relatavam uma época de crise sociopolítica do Brasil.
Agora, a banda revisita a trilogia crossover em um álbum que já pode ser considerado um dos mais emblemáticos da carreira. E assim como a banda buscou inspiração em seus discos passados para compor o atual, no melhor sentido, a política brasileira também tem buscado inspiração no passado, mas, nesse caso, no pior sentido possível.
Entre 1980 e 1990, o Brasil vendia uma suposta ideia de progresso com a redemocratização, mas entregava miséria, inflação e violência, além de vivenciar a epidemia de HIV. Hoje, o Brasil vende o sonho do patriotismo, do fim da corrupção e da defesa do ideal absurdo do que seria “família” e continua entregando miséria, inflação e violência, somados a uma gigante onda de preconceito (de todo tipo) e descaso com a população em meio à pandemia de Covid-19.
Em Necropolítica, a banda expõe uma sequência de problemas e personagens absurdos com os quais lidamos nesses últimos anos. E os quais precisamos combater se ainda quisermos ser uma nação de verdade, tanto que o disco já se inicia em forma de alerta, com a faixa “Alerta Antifascista”, cujo refrão repete o título em alto e bom som.
Depois há “Aglomeração”, “Passa pano pra elite” e “Necropolítica”, uma tríade que resume as ações, ou falta delas, nos anos de pandemia. A demora na compra de vacinas, o estímulo ao uso de remédios sem comprovação científica e a voz do presidente do Brasil dizendo que não poderia fazer nada, afinal não era coveiro, e mesmo assim permanecendo em seu cargo até hoje são alguns dos momentos mais bizarros e deprimentes que nos vêm à mente quando ouvimos essas faixas.
Outra faixa que serve pra que a gente não esqueça dos períodos mais obscuros do desgoverno em meio à pandemia é “Entubado”, penúltima música do disco, que cita até o escândalo das “cobaias humanas“, que foram tratadas em alguns hospitais.
O disco também nos faz recordar de personagens responsáveis direta ou indiretamente pelo caos atual que vivemos: “O Vira-Lata” (“Com vergonha de ser brasileiro, tão fuleiro o vira-lata cúmplice dessa mamata”), “G.D.O” (“G.D.O espalhando desinformação, confusão, delírio e caos”) e “Neonazi Gratiluz” (“Homem branco do amanhã, muito ódio, corpo são, mente sã, meditando preconceito”), figura mais recente da nossa história, mas não menos bizarra.
O álbum, que contém 10 músicas, ainda conta com as faixas “Guilhotinado em Cristo” e “Bostanágua”, também sobre um personagem absurdo de nossos tempos, mas que eu deixarei pra quem ouvir o disco interpretar a sua maneira.
No geral, o disco é um dos melhores da carreira do Ratos de Porão, por retomar a melhor forma da banda, mas sem cair na mesmice de repetir o que foi feito. Necropolítica mostra que a banda sabe usar a força que tem e o legado que criou para se renovar e atrair novos públicos.
A produção do disco ficou por conta da própria banda no estúdio Family Mob em São Paulo, durante outubro de 2021, e a mixagem foi feita em janeiro de 2022 por Fernando Sanches no estúdio El Rocha.
Necropolítica será lançado no Brasil em CD pelo selo Shinigami e em vinil pela Fuzz On Discos, com entrega a partir de 29 de julho, mas já está disponível em todas as plataformas digitais.
Ratos de Porão no Kool Metal Fest
O show de lançamento do Necropolítica acontece no dia 29 de maio, no Kool Metal Fest 2022 em São Paulo, no Carioca Club, a partir das 14h.
Além do Ratos de Porão, o Kool Metal traz a banda austríaca Belphegor e as nacionais Krisiun, Crypta, Nervochaos, Vazio e Cerberus Attack.
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