Saudade, palavra que só existe na língua portuguesa e designa um sentimento, muitas vezes, inexplicável, que vem sem aviso e dói ao mesmo tempo que nos lembra de coisas boas demais pra esquecer. Saudade é o que mais a gente tem sentido desde 2020, quando “distanciamento” se tornou palavra de ordem. E “Saudade” é o nome da nova música da Plastic Fire, lançada nesta madrugada.
Sem subjetividade, no novo single, a Plastic Fire colocou pra fora o sentimento de milhares. Seja para aqueles que perderam seus familiares e amigos pela pandemia, aqueles que perderam seus empregos ou aqueles que ficaram sem fazer o que mais amavam. Depois de tudo o que passou, e vivendo agora num ensaio de retomada à “vida normal”, só nos resta saudade e a certeza de que “todos nós somos um só”, como a própria letra diz.
Conversamos com Reynaldo Cruz, vocalista da Plastic Fire, sobre esse lançamento tão significativo. Confira.
Como surgiu “Saudade” e qual o significado dessa música pra você, como letrista?
A maioria dos nossos trabalhos durante a pandemia foi feita na parceria entre mim e o Mário (Mário Netto, guitarrista da Plastic Fire). Eu apresentava a letra, ele compunha a melodia e nos encontrávamos depois pra gravar. E “Saudade” foi assim também, mas o engraçado é que, ao contrário da maioria das outras músicas do nosso próximo trabalho, que foram feitas durante a pandemia, essa letra foi escrita antes.
E a letra é bem autoexplicativa, mas, mesmo que pareça um pouco clichê, tem uma mística engraçada, sobre coisas muito específicas desse sentimento tão bom e ruim, inexplicável e autoexplicável, feliz e triste, tão dúbio. É sobre saudade, e eu falo de uma maneira muito íntima porque eu sou uma pessoa bem nostálgica, não como quem vê no passado todos os tempos áureos, mas como quem sente amor e saudade de tudo, das pessoas, dos amigos… E mesmo sendo muito íntima, acho que, como várias músicas da Plastic Fire, busca uma coletividade, e há uma proximidade entre as pessoas que a escutam, não só entre a banda e o ouvinte, mas nas pessoas entre si, que se reconhecem na letra. Eu escrevo de uma maneira bem subjetiva, e vejo essa proximidade das pessoas quando elas escutam minhas letras e se identificam.
E sobre os spoilers “diferentões” que vocês postaram dias antes da música? Qual o significado e a relação deles com a letra?
A parte gráfica é uma coisa muito difícil para mim (risos), geralmente é o Bruno (Bruno Martins, fotógrafo) que fica incumbido de fazer tudo isso, mas esses vídeos que postamos meio “comerciais da madrugada na MTV anos 90/2000”, essa doideira toda (risos), foi de uma ideia que eu tive, porque quando eu penso em saudade, penso no meu pai, que foi um dos últimos entes queridos que eu perdi, e de uma forma muito instantânea: em um dia ele estava bem, e em outro ele não estava mais aqui. Então, eu falei com o Bruno sobre filmar takes bem minimalistas de partes da minha casa em que meu pai passou, mostrando a saudade como algo presente, porque, de certa maneira, naquele muro, naquele portão, num prego na parede, em tudo havia meu pai.
Saudade, pra mim, é um sentimento de temporalidade muito distinta, porque é a falta de algo que tá no passado, mas é como se o passado e presente estivessem instantaneamente no mesmo lugar. Todas essas coisas ao meu redor exalam uma essência daquilo que se foi, do que é, e que vai continuar sendo, então, eu vejo a saudade como uma presença atemporal de algo ou alguém.
“Saudade” e “Pergunte ao Cavalo”, que vocês lançaram no fim de 2021, são apenas singles ou estão nos preparando pra um disco novo em breve?
Falando mais uma vez de atemporalidade, é difícil chamar um trabalho, hoje, de um disco, né (risos)? Mas é um trabalho literalmente novo, pois a formação com que a gente gravou as últimas músicas foi eu, Mário, Pedrinho e o Arthur, mas logo depois de gravarmos, o Felipe assumiu a bateria.
Chamar de disco é estranho, especialmente pra mim que já vivi em outra época (risos), mas vai ser como um disco… e temos uma ideia conceitual, de tornar algo maior do que só as músicas em si, tentando conexões com outras formas de arte, talvez role um documentário, enfim, trabalhar diversas maneiras, mas, com certeza, muita coisa legal está por vir.
Vocês voltaram aos palcos no início deste ano. Como tem sido essa retomada depois da quarentena e como vocês se sentiram nos shows mais recentes?
Voltar a tocar depois de ficar dois anos sem fazer uma das coisas que me dá mais prazer na vida vem sendo algo muito difícil, principalmente, porque a pandemia não acabou, mas ao mesmo tempo a gente também não pode sofrer como se fôssemos os únicos culpados disso tudo. As bandas não têm culpa por uma pandemia mundial, o underground não tem culpa, os produtores de cultura, as casas de shows, enfim, quem trabalha com artistas de uma maneira geral não têm culpa pela pandemia e muito menos pela desordem causada por esse governo fascista….
Então, é difícil, a gente, de uma maneira geral, ter que pagar um preço tão alto que é deixar de viver o que a gente sonha por causa disso tudo… Mas tá todo mundo vacinado, com duas, três, quantas doses forem necessárias, e é esse misto de sentimentos: eu tenho me sentido muito receoso, mas não pretendo parar de tocar.
Espero que todo mundo fique bem e, por favor, negacionistas, fiquem em casa, ou melhor, nem existam. Acho que o hardcore não tem espaço pra isso, né?
E quais os próximos planos da Plastic Fire em relação a lançamentos e turnê?
A gente vai tentar manter esse ritmo “invisível” de lançamentos (risos). Temos mais algumas coisas para lançar antes de sair o trabalho completo. Estamos lançando as músicas aos poucos porque ainda falta gravar algumas coisas e estamos pensando nas artes e como alcançar novos públicos, mas, aos pouquinhos… Acho que a pandemia nos ensinou a não ir com tanta sede ao pote e a se replanejar sempre.
A ideia é tocar muito, tocar em todos os lugares possíveis, com outras bandas, com as mesmas bandas, os velhos amigos de sempre… E tem sido muito legal, eu estou muito feliz com essa formação, acho que os meninos também estão felizes e empolgados. Tem sido uma produção real de felicidade, então, que a gente possa tocar e rever as pessoas, tocar em festivais e alcançar todo mundo, e que todos fiquem muito bem, melhorados e sem o Bolsonaro na presidência, por favor.
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